Vice-presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Áreas de Inovação (Iasp), o engenheiro de telecomunicações Josep Piqué veio a Porto Alegre na última quarta-feira a convite do Tecnopuc para palestras aos representantes de universidades, entidades empresariais e secretários municipais sobre a experiência de inovação em Barcelona. Piqué atuou por 25 anos como secretário de Crescimento Econômico e Inovação de Barcelona, na Espanha, e é diretor da Oficina de Crescimento Econômico do projeto @22 Barcelona. A prefeitura de Porto Alegre busca na iniciativa espanhola uma referência para o projeto de desenvolvimento do 4º Distrito, que compreende parte dos bairros Floresta, Navegantes, Humaitá, Farrapos e São Geraldo. Criado em 2000, o @22 Barcelona – modelo de smart city que atraiu milhares de empresas – transforma antigas áreas industriais de Poblenou em espaços produtivos que existem junto a habitações, instalações e áreas verdes que melhoram a qualidade de vida e de trabalho.
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Como podemos começar a pensar cidades inteligentes?
São as cidades do conhecimento. Aqui, há duas mensagens: primeiro, que a cidade é objeto de renovação. Quando se inova, isso quer dizer que pode-se promover formas que a cidade preste serviços. Mas por que isso é possível? Porque falamos de um sistema de cidades inteligentes há 50 anos. E há, aqui, duas combinações. Primeiro, a de tecnologia da informação – tudo o que é digitalizável está na nuvem. Segundo, porque estão se digitalizando as relações. Portanto, a cidade tem de promover a interação entre as pessoas e delas com a cidade. E a terceira revolução, que é mais relevante, é a digitalização daquilo que chamam de a “internet das coisas”. Vamos ter sensores em todo o lugar para poder informatizar melhor a cidade. Diante dessas três revoluções – a digitalização dos conteúdos, das pessoas e das coisas –, há uma oportunidade de fazer da cidade um objeto de inovação. É algo que se define como o talento dela de ser capaz de unir a sua vida profissional à pessoal. A contraposição é que, na economia industrial, as empresas se instalavam perto de centros logísticos ou da matéria- prima. Agora, a matéria-prima da economia é o talento. E onde está o talento? Em todo lugar. As cidades têm de estar prontas para ser plataformas de talentos. E o que é necessário para que uma cidade seja inteligente? Para se tornar uma cidade do conhecimento, um projeto como o do 4º distrito, que é claramente da economia e do conhecimento, deve ser trabalhado em quatro etapas. Primeiro, o planejamento urbano, que delimita e qualifica a área da cidade e o espaço privado, a infraestrutura e a construção. Depois, é necessária a etapa de inovação, articulando ciência, tecnologia, indústria e mercado. É uma cadeia de valor em que pesquisadores aplicam seu estudo em projetos específicos para o mercado produtor. Depois, há a etapa da empresa e a do talento. O 4º distrito pensa nesses níveis articulados.
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O senhor diz que Barcelona é como um laboratório urbano. O que quer dizer com isso?
Quando você quer criar e há algo que não existe, deve-se criar condições para que essas coisas existam, uma espécie de projeto- piloto onde se avaliam as tecnologias, valida-se a implantação dessas ideias. A inovação só tem sentido quando há aplicação. E a aplicação só é possível quando é realizada com usuários. Por isso, Barcelona é um laboratório que permite que diferentes recursos, antes de ser industrializados, sejam validados pela cidade para se tornarem possíveis. A partir dessa experiência, essas ideias chegam às empresas e aos compradores públicos, para que implementem seu conhecimento.
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Brasil e muitos países na Europa enfrentam forte crise econômica. Como utilizar a inovação para gerar riqueza?
Barcelona, nos últimos anos de crise na Espanha, tinha uma agenda própria. Era independente. Portanto, Porto Alegre pode ter uma também. Ela está inserida em um país, mas também é uma cidade, e pode ter elementos diferenciais. A inovação gera riqueza quando, em primeiro lugar, permite que a cidade utilize de maneira mais eficaz seus recursos, sejam eles de água, energia ou mobilidade. Também quando a inovação promove empresas e estas, empregos, girando a economia e melhorando os índices sociais. Portanto, a inovação tem tanto o benefício de renovar o espaço público da cidade quanto o de mecanismo de criação de oportunidade para que empresas inovadoras vendam e inovem, como no caso das tecnológicas que atingem mercados internacionais.
Você disse que esse seria o século das cidades. Por quê?
Porque as políticas públicas precisam estar mais próximas dos usuários. As cidades serão o centro da economia por duas razões. Primeiro, como comentava antes, as cidades serão a plataforma do talento, e a economia do momento é a do talento. Portanto, as cidades serão capazes de promover e prover ao talento da cidade um local para viver e trabalhar. É o que Porto Alegre está fazendo, por exemplo, com o 4º distrito. O talento é a matéria-prima. Mas outra coisa também é importante. As cidades têm uma diplomacia que não tem a ver com os países. Em uma cidade, pode-se começar a inovar e não é necessário pedir permissão. As cidades com universidades e com empresas podem se mover pelo mundo sem as mazelas do resto do país e de outros âmbitos porque esses são equilíbrios muito mais complexos. A diplomacia da cidade é muito mais eficiente, porque um prefeito encontra outro e os dois decidem trabalhar juntos. E trabalham, não têm por que dizer não. Acho que a cidade passa a ser a unidade na qual as pessoas se calcificam mais próximas aos setores. Uma cidade como Porto Alegre deixa de estar apenas para o Estado ou para o país e se torna uma plataforma de negócios mundiais. Isso é o que acontece numa cidade que se conecta com seus talentos e com seus cidadãos. É uma troca de nível. O prefeito não precisará viajar para se entender com outras empresas ou com a administração. É um tipo de diplomacia muito mais eficaz e que tem muito sentido hoje em dia.
E o que o senhor pensa de Porto Alegre?
Estive aqui em 2007 para um encontro das universidades La Salle e, desde oito anos atrás, vi uma mudança, um desenvolvimento muito forte nos últimos anos. Seguramente, há desafios, que não são particulares, mas são comuns à América Latina. Ao contrário da Europa, onde há uma grande sociedade de classe média e cuidados para que ninguém fique fora do sistema. Mas aqui, a aposta no 4º Distrito, de fazer uma transformação, me parece muito interessante e inteligente. Transformou em ponto de interesse um local que vivia uma decadência. Estava caindo aos pedaços porque ali não havia mais indústria, mas uma política pública transformou o entorno e transformou com infraestrutura, convidando pessoas, criando uma economia de conhecimento articulada.