Em tempos de recessão, o mercado da vaidade revela sua verdadeira face. Não importa o tamanho da crise econômica, o céu é o limite para gastos com beleza e estética. Aqui não há supérfluos, apenas o estritamente indispensável. O consumo é movido pelo sentimento de urgência. Depilação? Fundamental. Cirurgia plástica? Inadiável. Nova marca de perfume? Sim, agora mesmo.
Neste cenário adverso da economia, profissionais de marketing recorrem a uma lógica perversa: o consumidor pode não ter dinheiro para pagar a taxa de condomínio ou comprar um jogo de panelas, mas não resiste a um creme hidratante e um bom xampu. Não é à toa que as vendas de produtos de beleza têm crescido de forma impressionante.
Até recentemente, a economia brasileira apresentava forte crescimento, que veio acompanhado da migração de 20 milhões de pessoas da chamada classe D para a C. Isso significou que uma parcela considerável de pessoas passou a consumir produtos e serviços aos quais não tinha acesso. Entre eles, os de beleza.
Mercado de estética é um dos mais promissores no Brasil
Atualmente, o Brasil passa por uma situação difícil. Durante crises econômicas, o consumo de bens considerados supérfluos tende a se retrair. Diminuem as idas a restaurantes, as viagens, a compra de roupas. Mas há um mercado que contraria tudo isso: o de produtos de beleza.
Nunca se venderam tantos esmaltes, batons, xampus, e os salões de beleza continuam lotados. As vendas de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumaria estão crescendo acima do PIB. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Beleza e Perfumaria, as vendas cresceram 7% em 2014, ano em que o PIB aumentou somente 0,1%. O faturamento da Jaqueti, empresa de cosméticos do grupo Silvio Santos, saltou de R$ 20 milhões para R$ 500 milhões.
O crescimento do setor de beleza é responsável pelo aumento do número de microempreendedores individuais (MEIs), que faturam até R$ 60 mil por ano. Vários deles saíram da informalidade e abriram seus próprios negócios. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), entre 2010 e 2015, o número de registros novos no setor de salões de beleza e clínicas de estética aumentou 567%, totalizando 482.455 empreendimentos.
Apesar de a vaidade frequentemente ser considerada um atributo feminino, homens também são vaidosos. Que o digam os uniformes, as medalhas e as condecorações que eles tanto gostam de ostentar. A novidade talvez resida no fato de que, mais recentemente, eles também têm investido na beleza física.
Segundo o IBGE, as mulheres brasileiras gastam R$ 101 bilhões por ano com beleza. Os homens representam uma fatia bem menor, mas crescente desse mercado: R$ 80 milhões. De acordo com a consultoria inglesa Euromonitor International, os homens brasileiros estão em segundo lugar no ranking mundial de cosméticos, atrás dos Estados Unidos. Antigamente, a estética masculina se resumia a "barba, cabelo e bigode". Se antes homens usavam somente desodorante, perfume e creme de barbear, agora também compram gel para cabelo e cremes para a pele. Aumentou também o consumo de acessórios de moda, como pulseiras e cintos. Ficar careca e parecer brega são duas das maiores preocupações masculinas.
Débora Pradella: para a beleza, não tem crise
Mas, ao contrário das mulheres, que gostam de entrar em lojas e conversar sobre os produtos, muitos homens ainda têm vergonha de serem vistos comprando artigos de beleza. Por isso, em boa parte, as vendas para homens são feitas através de sites. Elas representam 60% das compras online no Brasil, segundo a consultoria e-bit.
Como explicar esse aparente paradoxo do aumento de consumo de produtos de beleza em um momento de crise econômica? Uma possível interpretação tem a ver com o fato de que, quando as pessoas se sentem "por baixo", investir na beleza significa dar um "up" na autoestima. Isso vale tanto para homens como para mulheres. Os produtos de beleza se enquadram no que é chamado de "luxo acessível", isto é, algo aparentemente supérfluo, mas ao alcance do orçamento. Pode-se reduzir o volume de outras compras, mas as pessoas não deixam de adquirir xampu, perfume, cremes etc.
Nós, brasileiros, somos muito cônscios de nossa aparência física e estamos constantemente investindo na estética do corpo. Vivemos em uma sociedade em que todos querem parecer bonitos e ninguém quer aparentar a idade que tem.
Ao contrário do que se proclama, beleza, sim, põe mesa.
* Ruben George Oliven escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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