A política mundial não para de surpreender. Na Europa, os temas do conflito ucraniano e o da crise grega simplesmente desapareceram da agenda. O fluxo de imigrantes ilegais e refugiados, que cruzava o Mar Mediterrâneo, da desgovernada Líbia para a Itália, foi superado por outro maior ainda. Sírios, afegãos e outros caminham, em levas maciças, através dos Balcãs rumo à Alemanha e a outras nações. A Hungria, que em 1989 abandonava o comunismo e demolia a cerca que a separava do "mundo livre", às pressas construiu outra para impedir a entrada dos refugiados, golpeados por policiais e uma cinegrafista. Afinal, por que está acontecendo tal fenômeno?
Por décadas, potências Ocidentais têm interferido no Oriente Médio, gerando conflitos. Até o fim do século 20, as consequências de tais ações se limitaram à região e, após 2001, as ameaças terroristas chegaram, pontualmente, a seus territórios. Mas o que ocorre agora é a chegada de meio milhão de pessoas que o Ocidente classificava como vítimas. Isso já vinha ocorrendo, mas se transformou num tsunami humano durante as férias de verão do hemisfério norte. A Europa se viu sem uma resposta e não pode impedir a chegada nem mandá-los de volta a países que não existem mais, como a Síria. A maioria dessas pessoas se encontrava há quase cinco anos em campos de refugiados, onde a ajuda internacional começou a ser cortada. Até fronteiras internas da União Europeia foram fechadas, fato inédito em meio século.
Islandeses pressionam autoridades do país a aceitar mais refugiados
A intervenção e apoio a movimentos opositores no Iraque, na Líbia e na Síria constitui a origem dos problemas migratórios atuais. O surpreendente é que a Europa não esperava tais consequências e não tem a menor ideia do que fazer para resolver o problema. Como acomodar tanta gente num continente com altas taxas de desemprego, e no qual os governos tentam cortar gastos? Pior, em que a sociedade se divide entre alguns solidários pouco articulados e uma maioria que está se tornando, explícita ou silenciosamente, xenófoba. E a Alemanha está no olho do furacão.
A Europa se preparou para evitar uma invasão do Pacto de Varsóvia, que nunca ocorreu, e mantém sua fronteira externa vigiada contra imigrantes ilegais, traficantes e terroristas. Mas nunca imaginou uma invasão em massa de refugiados indefesos e desesperados, que ela mesma considera vítimas, e que morrem às centenas em frente às câmeras. Já os Estados Unidos, estão protegidos por dois oceanos, que os refugiados não podem cruzar, e propõem receber um número ínfimo de pessoas. O mundo está mudando rápido e poucos se dão conta. Como dizia Millôr Fernandes, "hoje, um otimista é aquele que não sabe o que vai acontecer".
*Paulo Fagundes Visentini escreve mensalmente no Caderno PrOA.
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