Chegar ao Rio Grande do Sul em agosto foi penoso não pelo inverno, que não compareceu ao encontro marcado, mas pela crise, que foi convocada e veio com tudo. O governador José Ivo Sartori (PMDB), em face das catastróficas condições das finanças do Estado, que têm a dívida com a União como estrela principal da tragédia, parcelou os salários dos servidores. Medida terrível para milhares de famílias gaúchas, é certo, pouco importa o quão necessária tenha sido. Aod Cunha, o ex-secretário da Fazenda (2007 - 2008) que conseguiu a façanha de ser o único em 15 anos a zerar o déficit orçamentário, sintetizou, em entrevista à Zero Hora (zhora.co/entrevistaaod), o drama em uma analogia tão triste quanto procedente: "O Rio Grande do Sul é a Grécia sem os países ricos do euro".
Tristemente verdadeiro. E, se por um lado, é verdade que os gaúchos não são reféns da demagogia fracassada do partido de esquerda radical grego, o Syriza, por outro, lamento constatar que não faltou demagogia pura e simples da parte daqueles que criticaram pesadamente a atual gestão (concluindo agora o seu oitavo mês, frise-se) sendo, em sua maioria, gente ligada direta ou indiretamente à gestão anterior. Como pode, fiquei eu a pensar, que os defensores do falecido governo petista local, que se valia de disparates como "gestão desenvolvimentista da dívida" para tratar de tão grave problema, enfurecidamente culpem a atual gestão e seus oito meses pela infeliz situação? Que tipo de fanatismo ideológico poderia produzir essa atitude? Simples - o fanatismo típico da esquerda latino-americana, a ideologia que os governos petistas e seus defensores não tiveram pejo em celebrar oficial e publicamente nos últimos anos.
Estamos em 2014. Na Proposta de Lei Orçamentária de 2014, o ex-governador do Estado, Tarso Genro (PT), enviou à Assembleia Legislativa gaúcha algo que mais se assemelhava a um exercício de descolamento da realidade e de performance retórica sub-bolivariana mal disfarçada. Recomendo entusiasmadamente sua leitura. Ali o leitor encontrará (p. 16) uma celebração incontida de Brasil e Venezuela - exatamente, caro leitor, a Venezuela - apresentados como os dois grandes exemplares da alternativa econômica que a esquerda latino-americana vinha construindo.
Em 2014, é claro, a Venezuela já era publicamente conhecida por aquilo que é, um Estado nacional destruído por uma gangue de assassinos corruptos que atendem pelo nome de "bolivarianos". Aparentemente, não para o petismo: o partido do e da atual presidente da República, Dilma Rousseff, lançou nota de apoio não à população venezuelana massacrada nas ruas - incluindo aí os assassinatos perpetrados pelas hordas chavistas -, mas ao bestial regime de Nicolás Maduro.
Se ainda em 2014 os governos petistas, no Rio Grande do Sul e no Brasil, viam a Venezuela como esse fantástico modelo de desenvolvimentismo à esquerda, não é de espantar que, poucas linhas adiante no mesmo documento oficial, o petismo nos brindasse com mais esta pérola: "Uma indefinição permanece. O novo papel do Estado ou avançará no sentido de iniciar uma transição ao socialismo ou ficará restrito a uma reforma do capitalismo que fortaleça a autonomia de suas burguesias nacionais e promova sua ascensão à situação de competidoras no cenário mundial a partir da consolidação, com o apoio de seus governos, da condição de 'campeões' empresariais regionais" (p. 17).
Estamos em 2014, e o governo petista no Rio Grande do Sul ensinava ao povo gaúcho que havia dois caminhos para os Estados: ou o socialismo, digamos, em sua vertente "bolivariana-século 21", que chacina manifestantes, prende arbitrariamente opositores e submete sua população à escassez de produtos básicos, ou o estatismo intervencionista petista, que usa o dinheiro público do BNDES para enriquecer Eikes Batistas ou, como fazem supor as investigações policiais em andamento no Brasil, enriquecer ainda mais empreiteiros e ex-guerrilheiros corruptos.
Pensando as coisas pelo ângulo da esquerda latino-americana, o último governo petista no Rio Grande do Sul tinha razão. Pelo ângulo dessa esquerda, as alternativas são sempre entre o fracasso brutal, com assassinatos políticos e todo o quadro tétrico que essa gente sempre produz quando no poder, ou o fracasso puramente corrupto e patético que o petismo deixa de herança ao Brasil. Foi para rejeitar essa herança, aliás, que milhares de pessoas saíram democraticamente às ruas no último dia 16 de agosto.
* Eduardo Wolf escreve mensalmente no PrOA.
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