* Cristina Bonorino é professora titular de Imunologia da PUCRS e pesquisadora 1c do CNPQ. Escreve mensalmente.
No ano passado, nesta época, havia um pânico mundial da disseminação do Ebola e do surgimento de surtos ao redor do mundo. Na África, milhares de casos eram registrados, muitos morriam e falava-se no fim dos tempos, em praga incurável, em desesperança. Nesta semana, foram publicados no The Lancet os resultados de um estudo clínico para uma vacina contra esse vírus na Guiné. Usando uma abordagem em que foram vacinadas pessoas do círculo próximo daqueles que eram diagnosticados com Ebola, imediatamente ou dentro de 21 dias, a vacina mostrou uma proteção de 100%. Nenhum indivíduo vacinado desenvolveu Ebola, a não ser aqueles que já estavam provavelmente incubando o vírus. Ainda é cedo para saber por quanto tempo a vacina protegerá os indivíduos - quanto tempo dura a proteção gerada por uma dose da vacina em uma pessoa - isso precisa ser acompanhado. Mas a mesma estratégia de vacinação, no círculo das pessoas infectadas, foi usada para erradicar a varíola nos anos 1970.
O estudo traz ainda algo de valor incalculável. Prova que é possível hoje em dia desenvolver e testar clinicamente uma vacina contra uma doença mortal, rapidamente - menos de um ano - em meio a uma epidemia, em locais ermos e com poucos recursos. É possível agora controlar a disseminação do Ebola, graças a esforços combinados de governos, trabalhadores da saúde, companhias farmacêuticas, órgãos reguladores e ONGs. Hoje também já se encontram patenteadas drogas que mostraram ser eficazes no tratamento do Ebola. Dava pra imaginar que isso aconteceria em apenas um ano? Eu certamente não imaginava. E você?
Daqui a alguns anos, saberemos que existem diferentes cepas de Ebola, e poderemos desenvolver vacinas contra cada uma delas. Saberemos que cepas são mais comuns em determinados países, e poderemos nos vacinar antes de visitá-los. Ou, ainda, incluiremos ao menos algumas dessas vacinas em calendários de vacinação. É difícil imaginar uma época em que a catapora, o sarampo, a pólio ou a coqueluche matavam milhares de crianças. E no entanto, hoje, muitos esquecem de vacinar seus filhos contra essas doenças, ou ainda contra os diferentes microorganismos que possam causar meningite, por exemplo. Esquecem exatamente porque a vacinação é tão eficaz que afasta do cotidiano a tragédia de perder um filho para uma doença infecciosa. Outros defendem que já não se precisa vacinar, sem oferecer nenhum tipo de evidência para tal afirmação.
Ao deixar de vacinar, você expõe as pessoas que andam no seu círculo ao provável contágio. Vacinas funcionam induzindo imunidade na "manada" - fazendo com que fique mais difícil do microorganismo "pular" de um indivíduo para o outro - já que não consegue incubar em um hospedeiro protegido. Mas a vacina não funciona do mesmo jeito em todos os indivíduos. Quando se fala em 100% de proteção, não quer dizer que cada individuo esteja 100% protegido. Deixar de vacinar um é desproteger um número muito maior de outros. Assim, por negligência, engenheiram-se os surtos de doenças que já dominamos.
Os surtos de meningite que atingiram o Estado recentemente não têm a ver com o surgimento de uma bactéria diferente. São provavelmente o resultado de pessoas que deixaram de vacinar seus filhos com as vacinas disponíveis na rede pública. O pânico gerou a corrida de várias pessoas para a rede privada em busca de uma vacina contra uma cepa "diferente" de meningococo sem evidência concreta de qual tipo de organismo estava por trás dos casos. Você deixaria hoje de vacinar seus filhos contra o Ebola?
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