Eles fazem a melodia da Rua Voluntários da Pátria. Cada solista tem um timbre único e repete o refrão centenas, quiçá milhares de vezes durante o dia:
- Cooompro ouro, vendo ouro!
- Água beeem geladinha!
- Fáááábrica de calcinhas!
- Chiiiip na promoção!
- Bergamota, pera, maçã e uva!
Feirantes, divulgadores, vendedores ambulantes e atravessadores passam o dia recorrendo ao grito para chamar a atenção da multidão que passa pelo Centro da Capital diariamente. É gente como Zilmar Cardoso, 36 anos, que trabalha na função durante mais da metade da vida - começou com 17 anos. Ele já divulgou vários produtos e, há dois anos, trocou a sentença "clínica dentária, avaliação gratuita" por um ritmado "compro ouro, vendo ouro!". Não para de trabalhar nem enquanto dá entrevista.
- O meu jeito de trabalhar é gritando. É uma coisa que gosto de fazer.
Conheça o prédio mais colorido da Rua Santana
Frequentador do Parcão perdeu 100 quilos correndo duas vezes por dia
O tempo contado para conversa não é exclusividade de Zilmar. Gabriel Guimarães, 27 anos, aceitou fazer parte da reportagem, mas logo avisou que só tinha "dois minutos".
- Não posso deixar os fregueses passarem em branco - justifica.
O rapaz trabalha desde os 13 anos em feiras no Centro, e garante que é boa a sua capacidade de persuasão - diz ele que convence 80% da clientela. Das 7h às 20h na labuta, ele "não tem frescura" para cuidar da voz.
- O grito é a arte do negócio - destaca Gabriel, que depois de berrar a relação de frutas à venda na banca (maçã, pera, banana, ameixa, uva, morango, mamão...), ainda busca convencer a repórter: - É tudo de qualidade.
Após restaurar muro, empresário é provocado por pichador: "Quem tem mais tinta?"
Leia mais notícias de Porto Alegre
Tem também quem faça questão de enfeitar "o grito de guerra", como Josiane Duarte, 32 anos, que chama a clientela para conferir os produtos da fábrica de calcinhas:
- Vem que tem, vem que tem, tem pra você e para o nenê! Olha, olha aê, olhaê, preço baixo é aqui, é só na fáááábrica de calcinhas! Nós fabricamos de tudo um tudo!
Josiane acredita que o humor do divulgador reflete na quantidade de clientes atraídos. Também aposta no carisma, e se agarra na fé para aguentar o dia puxado.
Já para Cidinei Pires, 51 anos, o maior aliado são as altas temperaturas. O calorão que chegou ao Estado nos últimos dias, que parece amplificado na Voluntários, ajudou para que sua voz grave ecoasse com mais destaque. Há 15 anos, ele vende garrafinhas de água - "bem geladinha", como faz questão de destacar. No sábado, comercializou mais de 100 a R$ 2,50: um sucesso.
E depois de repetir durante o dia inteiro uma frase, é até difícil de esquecê-la ao "bater o cartão". Uma vendedora de chips de telefone móvel, que preferiu não se identificar, diz que precisa se controlar para não sair por aí anunciando o produto fora do expediente.
- Às vezes estou fazendo qualquer coisa, mexendo no celular, e quase sai o grito - ri.
*Zero Hora