Aos 62 anos, o cartunista francês Jean Plantureux tem uma história que se confunde com a do humor político na sua França natal. Sob a alcunha de Plantu, ele desenha desde os anos 1970 para o Le Monde, e ao longo desse tempo fustigou com seu traço ditaduras, papas, políticos europeus. No dia seguinte ao atentado à redação de Charlie Hebdo, em janeiro, Plantu reinterpretou a famosa tela de Eugène Delacroix Liberdade Guiando o Povo substituindo as bandeiras por lápis (veja abaixo). O cartunista está, desde 2006, à frente da organização Cartooning for Peace. Plantu concedeu a seguinte entrevista por telefone.
Sobre o que o senhor pretende falar em sua passagem por Porto Alegre?
Eu já estive em Porto Alegre há uns 10 anos e apresentei meu trabalho como cartunista. E foi interessante para mim, naquela época, aprender sobre o lugar. Desta vez, gostaria de conhecer e conversar com meus colegas cartunistas e perguntar sobre como é feito o humor gráfico por aí, o que é permitido, o que não é, o que é proibido, o que se pode desenhar, o que pode criar problemas. É o que pretendo fazer agora.
Antes mesmo do atentado ao Charlie Hebdo, o senhor havia se engajado na criação do movimento Cartooning for Peace. O que o levou a essa militância?
A Europa tem uma tradição de liberdade de expressão na imprensa, mas isso de algum modo mudou depois da disseminação da internet e das redes sociais, porque estamos conectados com todo o planeta. Temos que continuar com nosso trabalho, mas temos que pensar que uma imagem criada por nós está na rede e que alguém, em algum lugar, pode não entendê-la da forma como havíamos desejado. É o início de uma grande pedagogia mundial da imagem. A cada vez que vou a um país do mundo islâmico, eu apresento o trabalho de meus amigos da Dinamarca, por exemplo, o trabalho de meus colegas do Charlie Hebdo, reforçando que eles não acordaram um dia de manhã pensando: "Quero fazer algo que seja muito ofensivo ao mundo islâmico". Eles tentaram na verdade fazer uma piada em imagens. Essa é uma cultura na Europa, é uma cultura também aí no Brasil, mas pode não ser assim em todas as partes do mundo. Essa é a razão pela qual o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, há 10 anos, na época da fatwa contra os artistas dinamarqueses, foi generoso em me chamar e a outros colegas para criarmos a Cartooning for Peace. Desde então, reunindo cartunistas de diferentes origens e formações, temos realizado encontros, exposições e debates. Não estamos afirmando que somos os donos da verdade, queremos justamente o debate: você quer a Turquia na União Europeia, você apresenta seu trabalho. Você é contra? Ok, você apresenta seu trabalho.
Muito se discutem os limites do que deve ser sagrado ou não diante do humor. Diz-se que alguns cartuns também reproduzem estereótipos sob o manto da livre expressão. Qual sua opinião a respeito?
Eu venho trabalhando no Le Monde desde 1972, há 43 anos, e pelo prestígio do jornal, meu trabalho já esteve em várias partes do mundo. E eu aprendi muito sobre a visão e o sentimento das outras pessoas sobre ele, seja pela origem, seja pela religião. E isso foi uma lição muito importante para mim. Mas como meu trabalho desde a origem se dirigiu para o comentário sobre direitos humanos, tenho certeza de que nunca pretendi ofender uma população, mas aquilo que a tiraniza. É a visão que tenho no Cartooning for Peace: há batalhas que temos que continuar. Veja por exemplo o caso da menina Malala, no Paquistão. Ela queria ir para a escola, mas porque a escola é proibida para as meninas, ela foi barbaramente atacada a tiros. Falar disso é o nosso trabalho, porque esse não é um problema da religião, é um problema de direitos humanos.
Por que o humor incomoda as figuras de autoridade, políticas ou religiosas?
Sempre foi assim. Do início ao fim do século 19, muitos cartunistas europeus se engajaram em batalhas contra os reis e a Igreja Cristã. Porque a Igreja Cristã naquele momento representava o poder. Muitos muçulmanos no mundo hoje não compreendem isso porque não veem o islamismo como um poder, e sim como uma religião dos pobres, e qualquer manifestação contra o Islã será uma declaração de guerra contra as crenças dessas pessoas. É um equívoco, mas eles pensam assim. Temos que fazer uma pedagogia para permitir que possamos nos comunicar uns com os outros, tanto dentro dos países da Europa quanto dos países europeus para as nações do Magreb e do Oriente Médio, porque da tríade Liberdade, Igualdade e Fraternidade, temos também que exercitar essa última. Eu continuo buscando o debate e falando às minhas audiências em países do Oriente Médio que não há uma intenção de ofender pessoas, mas há que se falar de uma instituição.
Programe-se
- Plantu vem a Porto Alegre para duas atividades nos dias 8 e 9 de julho na Casa de Cultura Mario Quintana (Rua dos Andradas, 736).
- No dia 8 de julho, às 19h, o cartunista francês participa de um painel com o colega Santiago, com mediação do jornalista Rafael Guimaraens. Entrada franca.
- No dia 9, Plantu estará, às 15h, na sessão comentada do filme Caricaturistes: Le Fantassins de La Démocratie, documentário sobre o desenho de humor político dirigido por Stéphanie Valloato. Plantu é um dos entrevistados. A entrada custa R$ 7.
- Ambas as atividades são parte do 1º Encontro França/Brasil, em Porto Alegre, de 6 a 10 de julho, com uma intensa agenda de atividades na Casa de Cultura Mario Quintana e na FNAC do Barra Shopping.
A programação completa pode ser vista aqui.