* Advogado formado pela Universidade de Missouri, Columbia. Autor de Truth Evolves (2015).
A crítica do presidente da Suprema Corte, John Roberts, à decisão tomada no caso Obergefell, que legalizou o casamento igualitário em todo o território dos Estados Unidos no último dia 26, é um argumento superficialmente poderoso em favor do recato e da moderação dos juízes. Em sua argumentação, Roberts lamenta que a Corte "torne inválidas as leis conjugais de mais da metade dos Estados e ordene a transformação de uma instituição social que formou a base da sociedade humana por milênios, para bosquímanos do Kalahari e chineses da etnia Han, para cartagineses e astecas. Quem, afinal, pensamos que somos?".
Roberts e muitos outros de mentalidade conservadora pensam que essa questão deveria ter sido deixada para o "processo democrático", ou seja, para atos de órgãos legislativos, ou, quando esses atos não saem bem como eles querem, para referendos públicos.
A ideia de que reivindicar seus direitos perante um tribunal não faz parte do processo democrático é parte do que há de errado com a visão de mundo desses conservadores.
Como os EUA chegaram à legalização do casamento gay em todo o país
A razão pela qual Roberts não consegue perceber isso pode ter algo a ver com sua preocupação de que a decisão do Tribunal constitua um "ataque ao caráter das pessoas justas" que se opõem ao casamento homossexual, como se essas pessoas pudessem ainda ser persuadidas a mudar de ideia e estender a igualdade para aqueles lugares onde, não fosse pela decisão da semana passada, gays e lésbicas ainda seriam cidadãos de segunda classe.
A verdade é que não há, na realidade, mais nenhum debate a ser feito. Essa questão tem sido debatida e contestada na Justiça há anos. Cada argumento possível contra o casamento gay já foi levantado e refutado. Os ainda reticentes baseiam sua oposição não em argumentos racionais, mas em uma definição explicitamente religiosa de moralidade sexual e de estrutura familiar que é tão estreita e pouco representativa da experiência humana hoje como era séculos atrás.
O que Roberts não consegue avaliar é que a simples existência de instituições democráticas não é garantia de que os cidadãos vão participar no debate público de boa-fé. As eleições não são meios infalíveis de se chegar à verdade política ou moral. Tribunais são um amparo essencial, um recurso que integra o processo democrático. Eles impõem uma coerência lógica a facções partidárias que poderiam, de outro modo, tentar apenas afirmar suas ideologias hipócritas e autocentradas.
Pela primeira vez, STF reconhece direito de adoção por casais homossexuais
Direitos homossexuais ganham o mundo
É difícil deixar de notar, também, que o apelo de Roberts à santidade da "democracia" não ressoou na época da decisão do caso Citizens United, de 2010 (que derrubou restrições do Congresso ao investimento de recursos de empresas e corporações nas campanhas eleitorais). Na verdade, mesmo antes dessa decisão, o tribunal comandado por Roberts já havia feito por merecer sua reputação de corte mais ativamente conservadora na memória recente. Em um artigo publicado em 2009 na revista New Yorker, o especialista na Suprema Corte Jeffrey Toobin escreveu: "Em cada caso importante desde que se tornou o 17º presidente da Suprema Corte, Roberts se alinhou ao Ministério Público contra o réu, ao Estado contra o condenado, ao Executivo contra o Legislativo, aos grandes réus corporativos contra o demandante individual. Mais ainda do que Scalia, que encarnou o conservadorismo judicial durante uma geração como integrante do Supremo Tribunal, Roberts tem servido aos interesses, e refletido os valores, do Partido Republicano contemporâneo."
Assim, gente, poupem-nos dos sermões sobre democracia e moderação judicial. Se a Suprema Corte está fadada a ser um órgão político, que pelo menos possa agir a serviço de nossas massas exaustas, pobres e confusas, ansiosas por respirar liberdade.