A cada ano, Porto Alegre corre um risco de 0,05% de que aconteça uma nova enchente como a de 1941, que alcançou o nível de 4,05 metros no Guaíba, alagou a cidade e deixou 70 mil flagelados. Isso significa que há uma chance de que o traumático evento se repita uma vez em algum momento dentro do período de 2 mil anos. Parece um risco ínfimo. No entanto, se acontecesse, o Muro da Mauá poderia não conter a inundação.
O Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do Cais Mauá, que analisou a questão do muro, é claro: "Hoje, se fosse necessário acionar o sistema para conter uma cheia com potencial para inundar a área interna ao sistema, haveria enormes dificuldades devido à má conservação das estruturas e falta de um fluxo de informação e responsabilidade bem definidos". Leia todas as notícias do dia
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As sete comportas existentes ao longo dos 2.647 metros de muro não têm operação automática de fechamento para o caso de uma enchente, detalha o documento. A equipe que cuida disso é composta de três pessoas. Uma delas é o motorista do caminhão Munck que serve para empurrar as comportas até o seu fechamento.
O veículo fica na chamada Fábrica do DEP, próximo à Usina do Gasômetro, indicou a diretora da Divisão de Obras e Projetos do DEP, Daniela Bemfica. No mesmo local estão os outros dois funcionários que cuidam das comportas, segundo o texto do EIA-Rima. No caso de não ser possível contar com o caminhão, diz o estudo, uma retroescavadeira pode fazer o serviço. As comportas devem ser fechadas uma a uma. Cada serviço leva 30 minutos para ser completado - todas ficariam fechadas em três horas e meia.
Não existe um programa de manutenção das comportas, confirma o documento, citando o DEP como fonte da informação. São feitas inspeções pelo menos uma vez por ano, aponta o texto. Na avaliação feita pela empresa Simon Engenharia, que produziu o capítulo do muro no EIA-Rima, os seguintes problemas foram encontrados no sistema de comportas do Muro da Mauá:
- Sistemas de vedação com falhas
- Rodas oxidadas e sem lubrificação
- Trilhos não permitem o movimento de translação da comporta
- Motor de translação não instalado
- Ausência de instalação elétrica para alimentação do acionamento da comporta
- Ausência de chaves fim curso para limitar os movimentos de translação da comporta
- Cremalheira e engrenagem de translação com sinais visíveis de oxidação
- Parafusos de fixação da vedação não adequados para a aplicação
- Existência de frestas visíveis entre o muro e a comporta, comprometendo a capacidade de vedação
- Falta de componentes do sistema de manutenção
Quanto ao muro em si, foram constatados diversos pontos em que o concreto está deteriorado. Há corrosão e exposição de armaduras e fissuras, por exemplo.
Os riscos de vazamento em uma inundação teoricamente poderiam aumentar com a intervenção do Cais Mauá porque haverá a ampliação dos portões das avenidas Sepúlveda e Tomé e da Rua Ramiro Barcelos e a abertura de cinco novos espaços no muro - Travessa Araújo Ribeiro, Rua General João Manoel, Rua Caldas Júnior, Armazém 6 e Avenida Presidente João Goulart. Novas comportas serão instaladas ao longo no muro, mas todas com funcionamento igual ao das atuais.
A presidente da empresa Cais Mauá S.A., Júlia Costa, garantiu que os defeitos serão consertados:
- As nossas contrapartidas serão fazer a manutenção, treinamento de pessoal e restaurar o muro e as comportas.
A previsão de término da revitalização do Cais Mauá é para o final de 2020, conforme cronograma que consta no EIA-Rima. A totalidade dos gastos cabe ao empreendimento, beirando os R$ 500 milhões.
Estrutura será vistoriada e testada nos próximos dias
Nesta sexta-feira, técnicos do DEP fariam uma vistoria em todas as comportas. No final da tarde, a direção do departamento definirá uma data para testar todas elas. Com as chuvas dos últimos dias, foi dado um alerta sobre a alta do nível do Guaíba por ter superado a marca de dois metros, e a prefeitura não quer ser pega de surpresa com falhas nos equipamentos. Perguntado sobre as condições do material, o diretor-geral do DEP, Tarso Boelter respondeu, no caso de as comportas trancarem:
- A comporta que emperrar, se engata uma retroescavadeira, puxa e ela vem. É um fechamento praticamente forçado.
No ano passado, 13 das 14 comportas foram testadas e funcionaram, ressaltou Boelter. Depois que o Cais Mauá assumir sete delas, as demais permanecerão sob administração da prefeitura. A renovação desses equipamentos, portanto, poderá ser mais complicada, especialmente por causa da falta de recursos do governo municipal. Sobre o atual estágio de treinamento do pessoal do DEP para uma ação eventual, o diretor-geral avaliou que o órgão tem a "expertise".
A diretora da Divisão de Obras e Projetos do DEP, Daniela Bemfica, que participou das discussões do EIA-Rima sobre o Muro da Mauá, apontou que a preocupação com o sistema anticheias não é "muito forte".
- A enchente do Guaíba é muito demorada, por mais forte que chova. Leva semanas para a onda de cheias chegar das cabeceiras da bacia hidrográfica a Porto Alegre. Mesmo na hipótese de a comporta trancar, a gente tem tempo para se preparar - argumentou.
Em 2011, as comportas foram renovadas. No dia da inauguração, foi realizado um evento em que houve o acionamento hidráulico de uma delas. O dispositivo só funcionou na oitava tentativa. Constrangido, o prefeito José Fortunati comentou, na ocasião:
- Isso acontece, mas serve de alerta para não descuidarmos da manutenção.
Trecho do EIA-Rima do Cais Mauá
Foto: Reprodução