*Roberto Romano é professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp. Escreve quinzenalmente
Os assuntos universitários desafiam as consciências honestas. Uso o conceito de honestidade no sentido estrito: quem, nos campi, é reto, luta para que os critérios científicos garantam a verdade. Esta não é posse de um ou muitos indivíduos, pois consiste numa busca incessante. Os métodos e as disciplinas definem parâmetros nunca atingidos de maneira completa. Se os docentes, os pesquisadores, os estudantes, imaginam ser os proprietários do verdadeiro, se transformam no demagogo, no profeta, no militante.
Fora dos arquivos, bibliotecas, laboratórios, salas de aula, todos têm o direito e o dever de seguir propostas para o ordenamento social, político, religioso. Mas operar na pesquisa como defensor de ideologias e crenças é trair a ética universitária. Na Alemanha nazista o charlatanismo da cátedra cedo se ampliou em "experiências" médicas (e outras ) criminosas. Nazistas eram donos da verdade. Quem a eles se opunha seria inimigo do saber autêntico e do povo. Na União Soviética, existiram dogmas "científicos" impostos aos universitários e à massa popular. O charlatão e militante Lyssenko, para quem existiria uma genética segundo o materialismo histórico e dialético, arruinou aquela federação ao prejudicar colheitas e a natureza, que insistiam em desobedecer os preceitos da Academia de Ciências moscovita, serva do Politburo.
Sartre distingue o filósofo do ideólogo. O primeiro busca a verdade, o segundo espalha teses de partidos ou seitas. A ideologia mata o saber porque nela as interrogações, as dúvidas, a pesquisa, são descartadas em nome de um dogma soberano. Da ideologia ao fanatismo, a via é curta. Do fanatismo ao culto do líder, tido como onisciente, não é preciso nenhum passo.
Desde FHC, critico o conúbio entre universitários e ideologias políticas. Em entrevista à revista Caros Amigos, critiquei os administradores dos campi pela simbiose das reitorias com o Ministério da Educação. Após o reino tucano, petistas e assemelhados, que apreciavam minhas críticas, também geriram a educação nacional com os mesmos trejeitos e truques anteriores. Na entrevista citada, dizia eu que um reitor brasileiro representa o poder nos campi, não é o emissário dos campi junto ao poder. Isto explica o motivo pelo qual, até hoje, não foi regulamentada a autonomia universitária, inscrita na Constituição.
É mais fácil, para os gerentes universitários, vender apoio ao governo de plantão do que lutar pela autonomia plena, incluindo a financeira, da instituição por eles lideradas. Como a maior parte das nossas universidades resulta do trato de políticos regionais com o governo central, o esperado dos reitores é apoiar o Executivo brasileiro em troca de recursos. Nada que não seja comum aos prefeitos e governadores, no comércio com o Planalto.
De modo ilegal e contra a ética, reitores assinaram listas de apoio a Luis Inácio da Silva, na sua reeleição. Fizeram o mesmo com Dilma Rousseff. Docentes transformados em puros militantes propagaram aos quatro ventos que haveria dinheiro sem limite para estudos no Exterior, no Brasil, no cosmos! Dizer que tais recursos eram finitos foi considerado pelos fanáticos da cátedra como heresia. E, como sabemos, o destino dos hereges é sempre a fogueira. As redes sociais funcionaram como matadouros da honra alheia, para impedir a voz da razão.
Agora o MEC, na vala comum dos contingenciamentos e cortes do chamado ajuste fiscal, retira dos docentes, discentes, funcionários, R$ 9,4 bilhões. Reitores e militantes, fantasiados de pesquisadores, silenciam a própria subserviência, contrária às regras de autonomia ética e científica. Alexandre Kojève, pensador do século 20, ao comentar o dito de Hegel segundo o qual o mundo dos intelectuais é o reino animalesco do Espírito, acrescentou: o espaço universitário define-se como o reino dos ladrões roubados. Acertou em cheio. As greves chegam tarde, os universitários deveriam pensar no problema em seu devido tempo.
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