Em debate na Câmara de Vereadores, um projeto de lei da prefeitura que prevê a recriação da Zona Rural em Porto Alegre causa controvérsia entre ambientalistas, pesquisadores, produtores e representantes da construção civil.
A proposta da administração é que uma área atualmente traçada como de produção primária (onde há atividade agropecuária), no Extremo Sul, receba nova definição, restringido sua utilização e permitindo a produtores obter linhas de financiamento hoje inacessíveis. O que divide opiniões é o tamanho da nova região: se, até ser extinta em 1999, a Zona Rural representava 30% da área do município, agora ocuparia apenas 8,28% do território.
Mais de mil famílias de produtores seriam atingidas diretamente pela mudança. Para ambientalistas e pesquisadores, o maior problema do projeto é contemplar apenas áreas de produção, deixando de fora regiões de proteção ambiental.
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Diretora do Departamento de Meio Ambiente e Licenciamento da UFRGS, Andrea Loguercio afirma que os recortes prejudicam uma das principais funções de uma zona rural, que é a de ser um "grande cinturão verde na cidade":
- Proteger os morros e os recursos hídricos é fundamental para a construção de um projeto de cidade sustentável, voltado para o benefício social, econômico e ambiental das pessoas. O projeto atual poderia ser melhorado ao tentar não deixar ambientes que devem ser protegidos expostos à especulação imobiliária.
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Vice-diretor do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no RS (Sinduscon-RS), Sergio Bottini Junior entende que a proposta respeita as construções existentes, contempla áreas da produção primária e não interfere na demanda por novos empreendimentos na região:
- Como está, o projeto é racional. Deixa espaço para a produção rural e contempla a demanda que existe da população urbana, de morar em casas com pátio, em construções horizontais.
O presidente do Sindicato Rural da Capital, Cléber Quadros Vieira, diz que a recriação é uma reivindicação antiga.
- Não conseguimos empréstimo porque não temos legitimidade legal, por não produzir em uma zona rural - diz.
O projeto da prefeitura estabelece como Zona Rural a área definida como zona de produção primária no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), em 1999. À época, a ideia de acabar com a denominação tinha como objetivo aumentar a autonomia do município na tomada de decisões em relação a novas construções habitacionais e linhas de ônibus, por exemplo.
Até então, havia restrição pelo controle do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), segundo a arquiteta Andréa Oberrather, da Secretaria Municipal de Urbanismo (Smurb).
VEREADOR QUESTIONA TRAÇADO DA PROPOSTA
A nova delimitação gera debates entre vereadores. Conforme Cassio Trogildo (PTB), presidente da Comissão Especial que avalia o projeto, é preciso rever o fato de a zona estipulada não abranger todos os produtores primários da região. Com o traçado previsto, ele afirma que mais de 200 proprietários rurais estão fora da área, ficando sem acesso aos mesmos direitos que os demais. A arquiteta Andréa justifica:
- Sem poder realizar um levantamento atualizado da produção primária na cidade e da localização dos produtores, adotou-se como território para Zona Rural aquele identificado como Área de Produção Primária, pois já estava definido no modelo espacial da cidade como o que concentrava a atividade.
Uma nova reunião da comissão está marcada para esta quarta-feira.
Mais proteção ao ambiente
Com a segunda maior área rural entre as capitais do país, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) - só perdendo para Palmas (TO) -, Porto Alegre tem 1,4 mil imóveis rurais cadastrados no Incra. Desses, 750 propriedades estão habilitadas a desenvolver atividades relacionadas a agricultura e extrativismo.
Mesmo com ressalvas à proposta, os especialistas ressaltam a importância de avançar na discussão sobre a criação de uma nova Zona Rural.
Além de facilitar o acesso de produtores a financiamentos, o projeto de lei regularizaria a situação de criadores de animais para abate, atividade que não é permitida em área urbana pela prefeitura.
Conforme Andrea Loguercio, a presença de uma Zona Rural junto à urbana também ajuda a despoluir as regiões centrais da cidade:
- Os ambientes ficam mais protegidos, o que garante um clima melhor para a região central e maior circulação de ar. Com projetos como esse, é possível transformar Porto Alegre em um grande polo de alimentos orgânicos, contribuindo de modo significativo para a economia.
Ingrid Bergman de Barros, professora da faculdade de Agronomia da UFRGS, afirma que a definição deve fortalecer feiras e mercados locais, beneficiando agricultores e consumidores:
- Os produtores poderão reduzir custos com frete, as perdas pós-colheita, entre tantas outras questões que envolvem as cadeias de comercialização.
Produtor de hortaliças orgânicas no bairro Lami há mais de duas décadas, Vasco Machado ainda observa a paisagem verde de sua propriedade quando madruga para começar a trabalhar, mas o canto dos pássaros agora divide espaço com o barulho de brocas e furadeiras. Com a construção de empreendimentos habitacionais do programa Minha Casa Minha Vida, o avanço de condomínios de luxo e de ocupações irregulares, ele teme perder a sensação de segurança que o levou à vida no "campo":
- Nasci e cresci no Centro, mas vim para cá para viver mais tranquilamente, com mais saúde e sem preocupação. Mas não deixo mais a porta de casa aberta, como fazia. Espero que a criação da Zona Rural ajude também a frear esse problema.