José Fortunati está orgulhoso da quantidade de obras que a Capital conseguiu iniciar antes da Copa - embora a grande maioria não tenha ficado pronta, mesmo um ano depois do evento. Hoje, porém, não tomaria a mesma decisão, e modernizaria somente o entorno do Beira-Rio. Confira trechos da entrevista concedida por telefone.
Como o senhor vê o fato de que, um ano após a Copa, a maioria das obras prevista para o evento ainda está em andamento?
Não dá para olhar a Copa só pelas obras. É o maior evento internacional que Porto Alegre sediou, deu publicidade para a cidade que nenhum outro evento tinha dado. Aumentamos o número de turistas estrangeiros em 20% de lá para cá. Recebemos mais eventos internacionais. Isso se deve muito ao fato de termos nos constituído como cidade que recebeu bem os visitantes.
Porto Alegre foi a que mais apresentou projetos de mobilidade para a Copa. Foi uma tentativa de aproveitar o recurso disponível na época?
Exatamente. Percebemos uma chance de utilizar a Copa para tirar do papel obras que estavam engavetadas. Dou como exemplo a (duplicação da) Avenida Tronco. Estava no Plano Diretor desde 1979, não tem nada a ver com a Copa. O que a Severo Dullius tem a ver com a Copa? É uma via estratégica para desafogar o trânsito para a Zona Norte. Tínhamos R$ 888 milhões de financiamento para 14 obras. Foi o maior número que uma cidade conquistou, com um detalhe importante: estão em toda a cidade. A Copa foi no Beira-Rio, a Avenida Beira-Rio foi duplicada, o Viaduto Abdias do Nascimento foi feito. A parceria com o governo federal propiciou o maior canteiro de obras da história da cidade.
Não se criou uma situação em que foi necessário fazer tudo às pressas, sem o planejamento adequado? Isso não levou a muitas alterações de projeto ou problemas com desapropriações, que acabaram tendo o efeito contrário?
O problema não é a rapidez de realização. Tem questões técnicas. Na trincheira da Anita, contratamos uma empresa que foi lá com técnicos formados na universidade, com diploma e ART (Anotação de Responsabilidade Técnica) para avaliar o terreno. Qual o resultado? Fizeram mal a avaliação (do solo). Na Tronco, tínhamos 1,5 mil moradias sobre o leito onde está sendo construída a avenida. Desapropriamos 25 terrenos em conjunto com a comunidade (para relocação dos moradores). Fizemos uma primeira licitação para a construção de moradias, e nenhuma empresa se apresentou. Fizemos uma segunda, mas a Caixa não aceitou. Na terceira, apresentaram-se mais empresas. Já saíram mais de 900 famílias. Se tivesse tirado as pessoas de lá a qualquer custo, teria sido criticado por fazer uma faxina como outras cidades fizeram. Isso é vida real.
Mas, além dos entraves específicos de cada obra, o TCE apontou problemas comuns a todas elas, como falta de planejamento, atrasos e sobrepreço. Não é preocupante?
Sobrepreço não é superfaturamento. É um termo técnico. Estou fazendo uma obra e, para a licitação, uso a tabela da Caixa (para orçar materiais usados na obra). A licitação é feita sobre essa tabela. O TCE verifica que, na tabela da Smov, que usamos fora dos financiamentos da Caixa, tem um item com preço menor, como a brita, por exemplo. Aí o Tribunal diz que tem sobrepreço. Mas apenas seguimos a tabela da Caixa. A Caixa não permite que um item (orçado) seja da (tabela da) Caixa, outro da Smov. Há outro sobrepreço, envolvendo a sinalização noturna. Técnicos da EPTC entendem que, se fizermos apenas pelo preço, não será a sinalização adequada. O Tribunal está preocupado com o preço, é questão de ponto de vista. Em alguns casos, equacionamos, mudamos o edital, em outros, não tivemos como ou a obra não seria feita.
Relatórios do TCE apontam cerca de R$ 21 milhões de sobrepreço ainda não pago e cerca de R$ 2 milhões em valores excessivos já pagos e passíveis de devolução aos cofres públicos. Como gestor responsável, não teme ser condenado?
Óbvio que me preocupa, mas todas as questões foram feitas com a maior transparência possível em cima da tabela da Caixa. Demoramos, muitas vezes, porque tentamos observar ao máximo a legislação. A população quer a obra, mas, se tentar apressar, tem apontamento (do TCE), cai no meu colo, interrompe a obra. Tenho a tranquilidade de que prestamos todas as informações ao TCE. Tudo foi feito do ponto de vista técnico. Durante esse período, há o acompanhamento de um comitê gestor que se reúne na Caixa, sob coordenação da Caixa. Não houve nenhuma decisão autocrática de secretário ou prefeito.
Que legado a Copa deixou para a Capital em termos de gestão?
É histórico, em todas as prefeituras, que cada secretaria se sinta uma prefeitura à parte. O secretário Urbano Schmidt (de Gestão) foi modelar nisso, criamos uma transversalidade plena. Por exemplo: a licitação da orla do Guaíba só ocorreu pelo aprendizado na Copa. Envolve 10 secretarias. Segundo: nossa relação com o TCE. Se lá no início a relação era tensa, nossos técnicos discutindo com os deles, na orla houve reuniões muito colaborativas para chegar com edital devidamente ajustado.
O senhor faria algo diferente, dada a experiência em todo esse período?
Eu não faria tantas obras. Acho que acertei ao buscá-las para modernizar a cidade, mas, se eu soubesse que haveria tantas dificuldades e empecilhos, talvez cuidasse apenas do entorno do Beira-Rio. Não me arrependo do que fiz. Hoje, estou orgulhoso, satisfeito porque, no final de 2016, não vamos entregar todas (as obras), mas vou mostrar uma nova cidade, como o viaduto da Bento. Era um dos principais gargalos da cidade. Ninguém mais fala do "x" da rodoviária. Temos o Viaduto Abdias do Nascimento para ir para a Zona Sul. Vou terminar meu mandato podendo dizer que contribuí muito para a modernização da cidade.
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