Uma aposta em mais segurança em detrimento do livre acesso a um espaço público pauta o debate sobre o cercamento do Parque da Redenção, na Capital. Se sancionado pelo prefeito José Fortunati, o projeto que prevê um plebiscito sobre o tema convocará a população a opinar: o porto-alegrense quer resguardar a área de 37 hectares detrás de grades ou mantê-la aberta durante todo o dia?
O plebiscito foi aprovado na noite de quarta-feira na Câmara de Vereadores e deve chegar em 10 dias ao Executivo. Fortunati já se posicionou contrário ao cercamento, mas favorável a consultar a população. A tendência é de que o projeto seja sancionado e que o referendo ocorra simultaneamente às eleições municipais de 2016.
Apoiadores do cercamento defendem que a medida inibiria a criminalidade e estancaria a depredação de monumentos. Quem é contra aponta a privação de uso do parque e a ilusão de que tapumes reduziriam a insegurança. ZH listou quatro razões que justificam a instalação de grades na Redenção - e outras quatro que provam o contrário. Confira.
A FAVOR
1. Redução da violência
Manter as portas abertas durante o dia e fechá-las à noite é, para muitos, uma medida para estancar a criminalidade no parque. Com portões de acesso monitorados pela Guarda Municipal, haveria controle de quem entra e de quem sai, inibindo a atuação de assaltantes e facilitando possíveis prisões, defende o autor do projeto do plebiscito, vereador Nereu D'Ávila (PDT). Frente ao índice de crimes registrados na Redenção (cem por mês, mas há quem sequer comunique os incidentes), o titular da 10ª Delegacia da Polícia Civil, delegado Abílio Pereira, é favorável à iniciativa:
- O cercamento é uma solução, não um problema. Aumenta a segurança das pessoas que frequentam o parque, e os criminosos acabam afastados desse convívio. Ocorrido um furto, roubo ou homicídio, basta informar um guarda. Imediatamente, as entradas serão fechadas, e a polícia irá verificar quem o fez - aponta Pereira.
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2. Proteção do patrimônio público
O maior controle imposto pelo cercamento da área auxiliaria na manutenção dos monumentos históricos do parque, corroídos diariamente pelo vandalismo. No final de 2014, o Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado (Sinduscon) concluiu a revitalização de 12 monumentos da Redenção, fruto de uma parceira com a prefeitura. O custo foi de R$ 450 mil, e, dias depois, já havia depredação.
Contrário ao cercamento da área, o historiador Sérgio da Costa Franco mudou de ideia. Atual defensor das grades, ele aponta a proteção ao patrimônio como um benefício:
- Os danos aos monumentos são feitos, em geral, à noite. Ninguém arranca uma placa de bronze sem fazer barulho. De dia, seria bem mais fácil de a polícia vigiar. A experiência mostra que as praças cercadas se conservam mais.
3. Bons exemplos que vêm de fora
O discurso dos apoiadores ao fechamento da Redenção se ancora nas experiências de outras cidades. Nereu D'Ávila cita que grande parte de parques famosos, seja no Brasil ou no Exterior, fica aberta à população de dia e têm os portões fechados à noite. Entre eles, Ibirapuera (São Paulo), Hyde Park (Londres), Place des Vosges (Paris) e Puerta de Hierro (Madri).
- Hoje, o Ibirapuera é uma referência. Inclusive, dentro do parque há um posto de segurança, onde as pessoas comunicam qualquer situação e são atendidas prontamente. Assim, internamente, tem-se muito mais controle - afirma o vereador.
4. Controle da limpeza
Jogar lixo em Porto Alegre é uma irregularidade sujeita a multa. O descaso com o descarte por parte dos frequentadores, porém, ainda suja os recantos da Redenção e motiva ações reforçadas dos garis da cidade - a exemplo do ocorrido na última Serenata Iluminada, evento proposto para incentivar a ocupação noturna do espaço público, mas que promoveu uma sujeirada e o recolhimento de três toneladas de resíduos um dia depois. O cercamento facilitaria a fiscalização de quem joga lixo onde não deve e barraria o acesso de frequentadores noturnos que sujam o local, defende o grupo pró-cercamento.
CONTRA
1. Alto custo
Ainda não há previsão oficial de quanto custaria cercar a Redenção. Segundo a vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), estima-se a obra em cerca de R$ 3 milhões. O argumento que se opõe às grades é que o valor serviria para adotar outras alternativas de revitalização do parque que excluiriam o cercamento.
O presidente gaúcho do Instituto de Arquitetos no Brasil (IAB), Tiago Holzmann, organiza o início de um levantamento que irá mapear o custo de cercar o parque em contraponto ao investimento para melhor iluminá-lo e policiá-lo. Fala-se que a instalação de grades pagaria por cinco ou seis anos as demais melhorias.
2. Ilusão de que criminalidade reduziria
A Redenção não se tornaria um parque mais seguro com o cercamento - mas um parque ainda inseguro, só que com grades. É o que apontam urbanistas e parlamentares contrários à proposta, que veem o cercamento como uma medida paliativa.
- Há um falso entendimento de que o cercamento irá resolver o problema da segurança. O que resolve é iluminação, policiamento e uso efetivo por parte das pessoas. Ninguém pensa em cercar outras áreas da cidade, como o Parcão e a Praça da Encol. Por quê? Porque eles são mais policiados, iluminados e conservados - diz Holzmann.
- Mais segurança no parque requer iluminação, cercamento eletrônico (instalação de câmeras de vigilância) e uma política de segurança pública global. O desafio é aumentar o uso intensivo da área, as atividades públicas e culturais e a própria circulação de pessoas - completa a vereadora Fernanda Melchionna.
3. Privação de uso do espaço público
A restrição de acesso ao parque em horários determinados (à noite, no caso de uma Redenção cercada) remeteria à privação do livre uso do espaço público. A impressão foi constatada pela gestora ambiental Sheyla Amaral, que, em 2014, concluiu a graduação no Instituto Federal do Estado com um trabalho de conclusão que pesquisou a opinião dos frequentadores sobre o cercamento. Mais de 60% se mostraram contrários.
- Quem era contra dizia se tratar de um espaço público, que não há justificativa de cercar, já que todas as pessoas têm o direito de ir e vir, e que se tornaria um espaço elitista. O apontamento é que deveria haver alternativas para resolver assuntos como a violência - diz Sheyla.
Já uma pesquisa realizada no fim de semana passado mostrou que 56% dos frequentadores da Redenção são favoráveis à medida, enquanto 43% são contrários - a margem de erro é de 4,1 pontos percentuais.
4. Discussão antecipada
Outra queixa de opositores às cercas é que o cercamento está sendo debatido antes mesmo que se invista em alternativas para resolver a questão da insegurança na Redenção. Tiago Holzmann cita o exemplo do Parque Ramiro Souto: cercado, o espaço nas imediações da Avenida Oswaldo Aranha costuma receber praticantes de esportes nas noites em que a luz está acesa. Se está escuro, poucos se arriscam.
- Qual recurso a prefeitura de São Paulo investe no Ibirapuera? Existe uma série de equipamentos dentro do parque que contribuem para essa segurança. Colocar cerca é apenas um dos elementos que podem ser adotados, assim como pode não ser - indica o arquiteto.
Histórico do debate
- Em 1991, o vereador Nereu D'Ávila apresentou na Câmara de Porto Alegre projeto que autorizava o cercamento da Redenção. Naquele ano, a proposta não foi votada pelos parlamentares e acabou arquivada
- O projeto chegou a ser desarquivado e discutido em plenário ao longo desses 24 anos, mas, pela resistência de parte dos vereadores e da população, nunca foi à votação
- Há três anos, D'Ávila apresentou na Câmara projeto que prevê um plebiscito para definir o cercamento da área. Desde então, o texto tramitava nas comissões da Casa
- Na última terça-feira, o projeto do plebiscito foi aprovado na Câmara com 22 votos favoráveis, um contrário e três abstenções. Das 14 emendas apresentadas, apenas a que determina que a consulta se dará com uma pergunta objetiva, com resposta "sim" ou "não", foi aprovada
- O projeto segue para sanção do prefeito José Fortunati. Ele já se manifestou contrário ao cercamento, mas não ao plebiscito
- Se aprovado, o texto vai para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), que definirá a data da consulta. Segundo D'Ávila, a tendência é de que a votação ocorra com as próximas eleições municipais, em 2016, para evitar gastos extras
* Zero Hora