Sinal identificando o produto como transgênico
Foto: Adriana Franciosi, ZH
Desarmamento, tema recorrente
Foto: Charles Guerra, Agência RBS
União homoafetiva
Foto: Daniela Xu, Agência RBS
Em 2005, após longa discussão e até um referendo, o Congresso deu por encerrado e proclamado o Estatuto do Desarmamento: um conjunto de medidas para restringir o porte e o acesso a armas de fogo. Uma década depois, o canetaço de um deputado catarinense recolocou o tema em discussão, e uma comissão se articula para (re)debater o projeto.
Outro bumerangue arremessado de Brasília, este em 2003 - a necessidade de identificar a presença de ingredientes transgênicos em rótulos de alimentos -, retornou com precisão ainda mais cirúrgica. Quando algumas vozes se ergueram em oposição, o projeto de lei abolindo o "T" dos rótulos já havia sido aprovado pela Câmara.
Diante da dificuldade de o país avançar em certas discussões, fica a questão: o vaivém legislativo é um mero exercício da democracia ou justamente o contrário, um reflexo da incapacidade de aceitar decisões contrárias à nossa vontade? A unanimidade entre especialistas é que o funcionamento dos nossos poderes propicia as idas e vindas. Se isso é bom ou ruim, é onde começam as divergências.
Segundo o advogado e professor da PUCRS Alexandre Wunderlich, está na cultura do país o que ele chama de "hemorragia legislativa":
- Um pouco em razão da sociedade da pressa, que clama por soluções imediatas para tudo, o brasileiro procura resolver qualquer problema com leis. Na primeira divergência, diz-se que "isso tem de ser proibido". Não digo que não devemos discutir coisas novas ou repensar coisas velhas, mas o processo legislativo requer filtros mais importantes.
Wunderlich alerta também que o Legislativo é arena permanente de conflito de interesses. E ele se acirra quando outros poderes estão fragilizados. Não é à toa que esses bumerangues legislativos estejam voltando justamente agora. O vento é mais forte quando a presidente Dilma Rousseff balança frente a ele. A socióloga e professora do departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Maria Helena de Castro Santos demonstra com outro exemplo recente:
- Observe a PEC da Bengala (emenda à Constituição que aumenta a idade de aposentaria de magistrados de tribunais superiores para 75 anos). O projeto existe há 10 anos, mas foi desengavetado semana passada porque é justamente agora que ele afeta a presidente, que não poderá indicar quatro ministros ao Supremo Tribunal Federal.
"Momento político" também é a palavra chave para explicar outras ressurreições. Com a composição do Congresso considerada a mais conservadora desde a redemocratização, é natural que determinados temas, como o desarmamento ou a redução da maioridade penal, ressurjam pela melhor chance de aprovação.
Cientista político da UFRGS, Mauricio Moya destaca os diferentes graus de interesse nas decisões do Congresso, bem como o fundamental "acesso ao centro decisório", facilitado para alguns desde as campanhas, por meio de financiamento eleitoral. Assim, se formam frentes parlamentares mais poderosas que qualquer partido - a agropecuária, a evangélica, a de segurança pública...
Segundo Moya, quando um desses pequenos grupos tem muito interesse em um determinado ponto, a decisão se facilita. É o caso da Frente Parlamentar Agropecuária e a bem-sucedida mudança do rótulo dos transgênicos. Debates mais importantes, mas mais difusos, provocam reação diferente.
- Qualquer medida de enfrentamento ao racismo, por exemplo, tem o fluxo inverso. Interessa a muitas pessoas, mas com pouca intensidade e quase nenhuma dessas pessoas tem acesso ao parlamentar. Dificilmente um debate assim é devidamente respaldado pelo Congresso - compara o professor.
Para Edison Nunes, professor da PUCSP e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), a esse problema de representação se soma a imagem que o brasileiro tem de Brasília. A população em geral, segundo Nunes, vê o Parlamento como um "palco de narrativas, uma representação estética das suas vontades", e não como um centro prático de decisões. Nem sempre, no entanto, isso é ruim, de acordo com Nunes:
- Vou te dar um exemplo: lembra quando aquele menino foi arrastado no carro após um assalto no Rio (João Hélio Vieites, em 2007)? Na ocasião, com todo o clamor popular, voltaram de todos os lados projetos de redução da idade penal e de adoção de pena de morte. Voltaram, mas felizmente não prosperaram. É como diria Pimenta Bueno: antes uma boa lei a menos do que uma lei má a mais.
José Antônio Pimenta Bueno, ex-ministro dos Negócios da Justiça e Marquês de São Vicente, morreu em 1878. Sinal de que o problema é tão antigo quando a política brasileira. Quiçá, parte indissociável dela.
BATE E VOLTA:
TRANSGÊNICOS
Ida
Usando como justificativa uma lei de 1990 (8.078) que regula o direito à informação referente a alimentos e a ingredientes que contenham organismos geneticamente modificados, um decreto presidencial de 2003 (4.680) determinou que houvesse um símbolo nos rótulos. O símbolo deveria ser definido pelo Ministério da Justiça, seguido dos dizeres "contém (nome do ingrediente) transgênico". Foi instituído, portanto um sinal com a letra "T" em um triângulo amarelo.
Volta
Em 28 de abril, o plenário da Câmara aprovou o projeto de lei do deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) que abole o símbolo com o "T" nos rótulos. A presença de ingredientes transgênicos passa a ser apontada apenas textualmente, e só se for superior a 1% da composição. Segundo o deputado, o símbolo induz ideia de perigo, o que seria "desinformante, já que não cumpre o papel de esclarecer, mas sim o de confundir ou de nada agregar". A proposta ainda depende de aprovação no Senado.
DESARMAMENTO
Vai
O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826) entrou em vigor em dezembro de 2003 com um dos seus artigos, o 35º, sujeito a referendo. O artigo proibiria a venda de armas de fogo e de munições do Brasil, mas foi rejeitado na consulta popular, em 2005, por 63% dos votos. Com o estatuto, portar armas se tornou direito exclusivo de alguns profissionais, mas a compra da arma de fogo para manter em casa ou em estabelecimento comercial (se proprietário deste) ainda é possível. A autorização é dada pela Polícia Federal. Além de cumprir pré-requisitos, é preciso uma justificativa para o pedido.
Volta
Em 2012, o deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) apresentou projeto que extingue a justificativa para a compra da arma, agiliza a autorização (em até 48 horas), elimina a necessidade de renovar da licença (hoje, de três em três anos) e permite a compra de até 5.400 munições por ano (hoje são 50, salvo de caça). Uma comissão especial foi instaurada na Câmara para apreciar a lei, mas não cumpriu o prazo para tal. Com a nova legislatura, iniciada em 2015, a comissão foi reativada. Divergências sobre a relatoria e a presidência dela, porém, impediram o início dos trabalhos.
CASAMENTO GAY
Ida
Em 14 de maio de 2013, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a obrigar os cartórios do país a celebrar o casamento civil e converter a uniões estáveis homoafetivas em casamento. Na prática, significou a adoção em definitivo do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. A decisão da CNJ não se baseou em nenhuma lei, mas em uma decisão do Supremo Tribunal Federal de 5 de maio de 2011, que equiparou a união estável de casais homoafetivos à dos casais heterossexuais, o que permitiria oficializar uniões entre pessoas do mesmo sexo em cartório.
Volta
Ao longo de 2013, durante a gestão do Pastor Marco Feliciano (PSC-RJ) na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, dois projetos de decreto legislativo contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo avançaram. O primeiro, do deputado André Zachrow (PMDB-PR), propunha um plebiscito sobre o tema. O segundo, do deputado Arolde de Oliveira (PSD-RJ), suspenderia a decisão da CNJ questionando a sua competência. O primeiro foi arquivado pela Mesa Diretora e o segundo avançou para a Comissão de Constituição e Justiça, sem data para apreciação.