* Paulo Fagundes Visentini é historiador, professor titular de Relações Internacionais da UFRGS. Escreve mensalmente.
Os múltiplos e bilionários acordos comerciais e de investimentos assinados durante recente visita do primeiro-ministro chinês ao Brasil, como esperado, causaram perplexidade em alguns e um discurso ressentido em outros. Há décadas nossa infraestrutura se encontra estagnada e necessita de investimentos pesados, mas não há vontade política e recursos suficientes, nem capacidade de execução dos trabalhos, como se viu na Copa.
As empresas do setor encolheram durante longos e magros anos e os nossos engenheiros tentam se atualizar. O mesmo se pode dizer do setor energético. Como uma economia pode crescer sem estradas, ferrovias e portos modernos e sem energia abundante e barata? Milhões de veículos são jogados anualmente numa rede completamente saturada.
Por outro lado, não apenas há efeitos imediatos, como a liberação da importação de carnes. Itens de tecnologia avançada (aviões da Embraer e navios) serão comprados, embaraçando quem diz que os chineses só compram commodities. E as demais exportações vão crescer com a construção de ferrovias, rodovias e portos, pois os custos logísticos serão reduzidos.
A China veio apenas nos "ajudar"? Claro que não. No mundo dos negócios o que conta são os lucros. Eles apenas aproveitaram um espaço vazio, negligenciado pelos brasileiros e por seus "aliados históricos". Mas há um componente político importante: a China não deseja que as economias emergentes mais importantes venham a entrar em recessão, pois isso teria efeitos coletivos danosos no plano mundial, favorecendo apenas os especuladores de sempre.
Isso significa que seremos "dominados" pela China, numa relação neocolonial? Não creio, porque a chamada desindustrialização do Brasil é fruto da nossa falta de projeto nacional e de desenvolvimento, e não podemos apenas culpar os chineses por serem competentes e laboriosos. O que foi feito com os bilhões de dólares pagos pela China pelos nossos produtos? Foi gasto num consumismo desenfreado, e não investido em melhoria da capacidade produtiva.
Mais curiosa é a negação da realidade: as mesmas pessoas que criticam a China por "invadir nosso mercado interno" lotam aviões para ir aos Estados Unidos fazer compras porque "é mais barato". Surrealista, pois são baratos porque made in China. As obras que surgirem ficarão para nós (se certos órgãos de controle não as bloquearem...) e a oportunidade, em anos de vacas magras, tem de ser aproveitada, senão "a vaca vai para o brejo". Quando vamos parar de atribuir aos outros a culpa de nossa incapacidade e começar a pensar grande, como a China o faz?
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