Uma investigação em andamento desde 2013 levou o o Ministério Público do Trabalho (MPT) a cobrar na Justiça que o governo federal assuma o primeiro acolhimento a imigrantes refugiados, fornecendo abrigos, atendimento médico e transporte fretado ou pela Força Aérea Brasileira (FAB).
A ação civil pública ingressada pelo MPT de Roraima/Acre na 2ª Vara do Trabalho de Rio Branco (AC) nesta segunda-feira também pede que sejam tomadas ações concretas para coibir a atuação dos "coites" - termo usado para definir contrabandistas de pessoas nas fronteiras com outros países.
Foto do ano passado, do MPT, em abrigo em Brasiléia (AC), fechado em 2014 por superlotação.
No documento, o órgão reproduz relatos obtidos em 75 denúncias. Segundo o MPT, desde 2010 há notícias de empresas do Sul e do Sudeste que teriam ido ao Acre para contratar imigrantes em abrigos, usando como critérios avalições do porte físico, da grossura das canelas, da idade e das condições dos órgãos genitais.
- Pareciam mais senzalas do século 19 - afirmou o procurador-chefe do MPT em Acre e Rondônia, Marcos Cutrim.
Segundo a Secretaria de Direitos Humanos do Acre, mais de 36 mil estrangeiros ingressaram no Brasil pelo Estado entre 2010 e março de 2015, sendo 32,7 mil destes haitianos.
Multa de R$ 50 milhões para a União
Em três operações realizadas entre 2013 e 2015 foram encontrados cerca de 150 haitianos em condições de trabalho escravo em Minas Gerais e São Paulo. Segundo o MPT, também foram identificados, desde 2010, oito acampamentos improvisados como abrigos em Brasileira (AC) e Rio Branco, onde os trabalhadores viviam "em condições deploráveis".
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Foi a partir disso que a investigação foi ampliada para todo o sistema de acolhimento dos refugiados, levando à conclusão de que o Planalto deveria monitorar as migrações com mais efetividade. Na ação civil, o MPT pede que a União pague indenização de R$ 50 milhões por dano moral coletivo. O montante seria usado para políticas públicas voltadas à questão.
- Constatou-se a necessidade do governo federal assumir os abrigos do Acre e intermediar a mão-de-obra, pois é dele a responsabilidade pela política migratória no Brasil. No entanto, as ações tem se limitado a permitir o acesso [dos refugiados ao país] - disse Cutrim.
Outros pontos da ação civil pública incluem a reserva, no orçamento da União, de um percentual mínimo de recursos para as ações de acolhimento; a mobilização de ações diplomáticas para coibir a atuação dos coiotes; e melhorias no encaminhamento ao Sistema Nacional de Emprego (Sine).
:: Saiba quais são os dez pontos do MPT à Justiça do Trabalho:
1) Instituir serviço gratuito para prestar auxílio aos trabalhadores migrantes e, especialmente, assumir a gestão financeira e institucional dos abrigos sociais localizados no Acre. Garantir condições dignas, salubres e não degradantes enquanto permanecerem em situação de documentação e trânsito no Estado. Prazo de dez dias.
2) Garantir atendimento médico por profissionais especializados com conhecimento das doenças endêmicas das regiões de procedência dos trabalhadores. Prazo de cinco dias.
3) Assumir o transporte interestadual de trabalhadores migrantes, seja via força Aérea Brasileira (FAB) ou do fretamento de ônibus. Intenção é melhorar o acolhimento ao imigrante e evitar a superlotação nos abrigos do Acre. Prazo de cinco dias.
4) Assumir o serviço de encaminhamento para o trabalho, via Sistema Nacional de Emprego (Sine). MPT afirma que medida coibiria a contratação dos trabalhadores em "empregos de qualidade duvidosa", como os citados nas denúncias. Prazo de cinco dias.
5) Comprovar - em até 90 dias - que o acolhimento, documentação e inserção no mercado de trabalho já estão sob comando do governo federal.
6) Destacar nas Leis Orçamentárias um percentual mínimo de recursos para as ações de acolhimento.
7) Realizar ações concretas para coibir o tráfico internacional de pessoas, mobilizando Polícia Federal e órgãos responsáveis pela cooperação jurídica internacional. Investigar e punir coiotes nas fronteiras brasileiras terrestres.
8) Mobilizar também os serviços diplomáticos para coibir o tráfico internacional de pessoas e a criação de novas rotas de entrada no país.
9) Indenizar a sociedade no valor de R$ 50 milhões por dano moral coletivo. Destino do dinheiro é a promoção de políticas públicas de acolhimento, a serem indicadas pelo MPT no decorrer da tramitação da ação civil.
10) Fixar - em caso de descumprimento - uma multa diária em R$ 100 mil por ponto desrespeitado.