
A geração Z voltou a movimentar as redes sociais com uma nova trend – a dos livros de colorir. Esse hobby não é inédito. Há 10 anos, houve o fenômeno dos livros "Jardim Secreto", com ilustrações de flores e mandalas para colorir que atraíam um grande público.
Agora, uma onda de postagens nos apps mais populares trouxe de volta a febre, mas os lápis de cor deram lugar a canetas hidrográficas. Apesar de ser fomentada no mundo virtual, a prática tem sido usada por quem busca se afastar das telas e descansar da rotina.
As hashtags #bobbiegoods e #coloringbook (livro de colorir) somam mais de 1 milhão de posts no TikTok. Na plataforma, podem ser encontrados vídeos com dicas sobre onde comprar os livros, quais os melhores modelos, como preservar as canetas, além de pessoas mostrando os resultados de suas artes, muitas delas, brasileiras.
Quem não acessa às redes sociais pode estranhar o nome Bobbie Goods, mas trata-se de um dos principais fatores por trás do sucesso da trend. Criada pela ilustradora norte-americana Abbie Goveia, a marca vem lançando publicações com personagens adoráveis da artista.
Nos desenhos, geralmente aparecem animais como cachorros ou ursos em situações divertidas: fazendo piqueniques, tomando chá, descansando na praia ou cuidando do jardim, entre outros contextos. Outra marca popular é Lucy and Friends. Os livros vêm agradando um público amplo, muito além do infantil.
Geralmente, eu escolho colorir nos momentos em que eu percebo que é importante que eu possa me desconectar do mundo virtual e me reconectar comigo mesma.
MARIANA OLIVEIRA
26 anos
Hoje, colorir faz parte da rotina da psicóloga Mariana Oliveira, de 26 anos. Ela conta que entrou na onda depois de ver vídeos no TikTok e no Instagram.
— As coisas se disseminam muito rápido e acaba criando uma comunidade, e faz com que a gente também tenha esse desejo de se conectar com outras pessoas. A gente acaba se identificando — afirma.
A jovem conta que o hobby contribui para resgatar seu lado mais lúdico e garantir momentos de relaxamento, em meio à rotina agitada, além de diminuir o tempo nas telas. Com isso, decidiu investir em um conjunto de canetas e no livro Bobbie Goods, que custaram cerca de R$ 100. Também há quem imprima ilustrações avulsas para colorir e gastar menos.
— Acho que é um recurso que as pessoas criaram para lidar com toda essa chuva de informações e de estímulos que acontece diariamente. Geralmente, eu escolho colorir nos momentos em que eu percebo que é importante que eu possa me desconectar do mundo virtual e me reconectar comigo mesma. Depois de um dia longo de trabalho, ou no final de semana — relata Mariana.
Busca por bem-estar
De acordo com a psicóloga Sofia Sebben, especialista em uso de telas, o hábito de colorir ganha popularidade justamente pelo contexto de hiperconexão, em que as pessoas buscam atividades que possam servir como um respiro, em meio ao uso excessivo da tecnologia.
— Faz parte do movimento wellness, da busca pelo bem-estar. As pessoas estão tentando resgatar atividades fora das telas para que possam se conectar com elas mesmas. São coisas que exigem atenção plena, como pintar, fazer cerâmica, crochê. Colorir é uma atividade com muito potencial antiestresse — explica.
Somos altamente influenciáveis, principalmente os jovens, por conta do conteúdo que consomem nas redes sociais.
SOFIA SEBBEN
Especialista em uso de telas
Diversos hobbies podem cumprir essa função na rotina, como praticar esportes, aprender a tocar algum instrumento musical, tricotar. Conforme Sofia, todas são atividades benéficas para a saúde mental. O apelo dos livros de colorir é justamente o senso de comunidade que se criou.
— Somos altamente influenciáveis, principalmente os jovens, por conta do conteúdo que consomem nas redes sociais. Mesmo não conhecendo a pessoa que está do outro lado da tela, eles querem se sentir pertencentes a um grupo — argumenta a especialista.
Ela ressalta que é importante não se cobrar para fazer algo perfeito. Com diferentes opções de canetinhas, cores e traços, nem sempre é possível chegar no resultado esperado, mas esse não deve ser o foco da atividade.
— Vejo várias pessoas nos comentários das postagens dizendo que não conseguiram pintar como queriam, que o desenho ficou horrível. É preciso saber lidar com a frustração e entender que não tem necessidade de fazer algo super bonito, é preciso evitar essas cobranças — destaca Sofia.
Caso contrário, o que era para ser uma experiência tranquila pode se tornar algo frustrante. Uma boa dica é evitar fazer comparações e compreender que cada um tem seu processo.
Saúde do cérebro
Além de servir como distração e passatempo, colorir é benéfico para a saúde cerebral, segundo a doutora em Educação e diretora do Supera Porto Alegre Moinhos, Luciana Kraemer. Trata-se de uma das várias formas de "ginástica" para o cérebro.
— Colorir implica em um movimento, começa por aí. Tanto na infância quanto na fase mais longeva, trabalhar com os dedos, com o indicador, o polegar, é sempre muito importante para ativar as redes neurais. Isso inclusive está ligado a algumas competências, como o pensamento matemático — explica a especialista.
Ela ressalta que isso é importante para todas as faixas etárias, sobretudo para quem passa muito tempo em frente às telas e não tem o hábito de escrever manualmente. Essa ativação motora também tem impactos cognitivos.
— Segurar um lápis, por exemplo, acaba sendo algo que não é mais corriqueiro entre os jovens, antes era muito mais. Muitas pessoas só usam os dedos para digitação. Esse estímulo motor serve para trabalhar a atenção, e colorir tem esse efeito da atenção plena — explica.
Segundo a especialista, a atenção é a porta de entrada para a memorização. Por isso, é fundamental "treinar" esse mecanismo do cérebro, uma vez que a memória auxilia na organização das tarefas do dia a dia.