Avançando a passos lentos, o programa municipal que prevê a restrição gradativa de carroças em Porto Alegre chega à sua fase mais crítica na próxima segunda-feira. A partir do dia 6 de abril, o Somos Todos Porto Alegre começa o período de conscientização de carroceiros e carrinheiros em 18 bairros da área central e cinco da zona do Humaitá e Navegantes.
Esta é considerada a etapa mais sensível do projeto por atingir áreas muito movimentadas e consideradas lucrativas em um contexto de catadores que são socialmente mais vulneráveis que em outras regiões.
Carroceiros estão proibidos de circular em 31 bairros de Porto Alegre
- No Centro, boa parte dos futuros beneficiários possuem alta vulnerabilidade social ou dependência química e sobrevivem através da catação. Por isso, o trabalho de inclusão social e profissional dessas pessoas será prioridade - explica o secretário municipal de Governança local, Cesar Busatto.
Futuro de incertezas para os carroceiros
Devagar, quase parando
Um grupo de 22 profissionais da área de assistência social fará o mapeamento e o cadastramento dos condutores. O objetivo é encaminhá-los para cursos de profissionalização e, posteriormente, inseri-los no mercado de trabalho formal.
Prefeitura da Capital a trote de lesma com Lei dos Carroceiros
Regulamentada desde 2010, a lei pretende oferecer novas oportunidades a carrinheiros e carroceiros ao mesmo tempo em que restringe sua circulação nas ruas da Capital. Até 2016, a chamada "busca ativa" pretende atingir 4 mil pessoas, entre catadores e familiares.
Lei das Carroças está empacada em Porto Alegre
Na prática, porém, a implementação das etapas caminha a passos lentos e encontra barreiras no seu público-alvo. Nas Zonas 1 (Centro-Sul, Glória, Cruzeiro, Cristal, Lomba do Pinheiro e Partenon) e 2 (Noroeste, Leste, Norte, Eixo Baltazar e Nordeste), onde as ações iniciaram em 2013, somente 157 pessoas entregaram carrinhos, carroças e cavalos e 760 participaram de cursos.
Das cinco Unidades de Triagem previstas para absorver a mão de obra dos carroceiros, uma está pronta e outra em fase de conclusão. As três restantes têm previsão de conclusão até 2016 (veja quadro abaixo). Entre os beneficiários do programa, há histórias de quem conseguiu ingressar no mercado de trabalho e de quem ainda teme um futuro incerto.
Para Vanderlei, foi oportunidade de mudança de vida
Depois de passar 22 anos carregando cargas que chegavam a 400kg, Vanderlei Gregório, 59 anos, tirou o peso das costas e passou a trabalhar, há oito meses, em uma Usina de Triagem. Para o pai de 14 filhos - dos quais a maioria foi ou ainda é carrinheiro - não foi fácil largar a atividade que sempre sustentou a família.
Ficou temeroso durante processo de transição - por onde passou por cursos de cidadania, direitos, deveres e profissionalização - mas garante que não se arrepende.
Hoje cumpre regras e horários, é um dos responsáveis por abrir e fechar a usina, na Rua Paraíba, no Bairro Floresta, e conta com salário fixo no fim do mês.
- Foi difícil largar o carrinho, tive medo de não dar certo, mas está melhor aqui, não forço mais minha coluna, sem falar na segurança e no conforto, não preciso mais enfrentar a chuva e o vento. Estou feliz - compara.
José Alberto teme ficar sem trabalho
A disposição por encarar a mudança não é unânime entre os condutores. Há quem tenha medo de entregar seu meio de trabalho e ficar à míngua enquanto não surgem novas oportunidades. O carroceiro José Alberto Capela, 50 anos, fez curso para eletricista, mas teve dificuldades de aprendizagem por ter estudado só até o terceiro ano do ensino fundamental:
- Não me sinto seguro para largar a carroça. Conheço muitos que entregaram, não conseguiram serviço e compraram de novo, para não ficar sem nada. Se tiver oportunidade, até faço mais cursos para, quem sabe, um dia conseguir uma nova perspectiva de trabalho.
Ele costuma circular pelos bairros Menino Deus e Tristeza, onde tem freguesia fixa para recolher papelão, plásticos e galhos. Por dia, tira de R$ 50 a R$ 60.
- Não tenho outra referência de trabalho, desde que nasci trabalho com isso - afirma José.
Situação em áreas já restritas
Nesta semana, o DG circulou nos bairros Meninos Deus e Azenha, onde as áreas já estão restritas para circulação de carroceiros e carrinheiros e não é difícil encontrar condutores disputando espaço no trânsito.
Indiferente às novas regras, Paulo Ricardo da Conceição, 48 anos, circulava pela Avenida Carlos Barbosa na segunda-feira. Em meio à rotina de riscos contou que consegue tirar de R$ 20 a R$ 30 em um dia "produtivo", andando por 72 quadras.
- Se eu tivesse condições, mudaria de serviço, já trabalhei em empresas. Por aqui, já fui atropelado duas vezes, uma delas cheguei a virar pirueta na rua - diz ele, que garante que nunca foi multado.
Para quem nasceu sobre a carroça, deixar os instrumentos de trabalho é mudar a rotina de uma vida toda. Angelita Fortes, 44 anos, confessa que nem pensa em deixar a carroça. Ela chegou a se cadastrar no programa Somos Todos Porto Alegre, mas não foi chamada para fazer nenhum curso. E nem tem esperanças disso.
- Vivo disso desde que nasci, criei meus filhos em cima da carroça e agora estou ajudando a criar meus netos. Só tenho sexta série, não sei o que poderia fazer - avalia.
O PROCESSO
Como começou
Regulamentada em 2010, a Lei das das Carroças foi aprovada em 2008. O texto institui um programa de redução gradativa do número de veículos de tração animal e humana nos veículos nas ruas da Capital. Com isso, todos os carroceiros passariam por um cadastramento municipal, seriam matriculados em cursos profissionalizantes para serem inseridos no mercado de trabalho.
Vanderlei atua há oito meses na Usina de Triagem
Foto: Omar Freitas/Agência RBS
O que já foi feito
As ações começaram a ser implantadas em 2013 nas nas Zonas 1 (Centro-Sul, Glória, Cruzeiro, Cristal, Lomba do Pinheiro e Partenon) e 2 (Noroeste, Leste, Norte, Eixo Baltazar e Nordeste). Nestas áreas, 760 pessoas foram qualificadas em cursos e 153 entregaram carrinhos, carroças e cavalos em troca de indenizações.
O que ainda será feito
A partir de segunda-feira, o trabalho será focado nas zonas 3 (Bairros Auxiliadora, Azenha, Bela Vista, Bom Fim, Cidade Baixa, Farroupilha, Centro Histórico, Floresta, Independência, Jardim Botânico, Menino deus, Moinhos de Vento, Montserrat, Petrópolis, Praia de Belas, Rio Branco, Santa Cecília e Santana) e 4 (Bairros Anchieta, Farrapos, Navegantes, Humaitá e São Geraldo).
Um grupo de 22 técnicos fará a abordagem e cadastramento de carroceiros e carrinheiros destas áreas. Em seguida, serão encaminhados a cursos profissionalizantes para serem inseridos no mercado de trabalho. O mapeamento deve chegar a 4 mil pessoas.
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Sou carrinheiro, o que faço?
- Antes ou após serem contatados pelos técnicos, procure o Centro Administrativo Regional (CAR) de sua região para fazer um cadastro. Lá, poderá conhecer as oportunidades para ingressar em novas atividades.
- De acordo com seu desejo, será encaminhado a cursos de qualificação. Há opções em que não é necessário ter ensino fundamental completo. Durante os cursos, alunos que têm 75% de presença recebem uma bolsa no valor de um salário mínimo nacional (R$ 788). Profissionalizados, são encaminhados ao mercado de trabalho. O mesmo processo ocorre por quem optar por trabalhar em Usinas de Triagem.
- A indenização do carrinho, carroça e o cavalo só é feita quando você já encontrou uma alternativa de trabalho. Importante: você não é obrigado a vender seu instrumento de trabalho para a prefeitura. Se for vender para a prefeitura, é pago R$ 1,5 mil pela carroça e o cavalo ou R$ 200 pelo carrinho. Os animais são destinados a uma fazenda da prefeitura localizada no Lami.
- Se sua região estiver incluída na zona de restrição e você for visto por um agente da EPTC, ele irá lhe notificar para verificar sua situação. Caso isso se repita, será notificado novamente. Há casos em que, por penalidade, poderá ter a carroça e o cavalo recolhidos. A sanção não se aplica a quem estiver incluído no programa.
A situação das unidades de triagem
- UT Paraíba 1: Concluída e em operação, localizada na Rua Paraíba, no Bairro Floresta.
- UT Paraíba 2: Há prédio, mas precisa ser adaptado para receber a UT. Previsão: até fim de 2016.
- UT da Frederico Metz: Esta UT será uma contrapartida da OAS pela construção da Arena. Como a empresa é uma das investigadas da Operação Lava-Jato, não há previsão de início das obras.
- UT Restinga: Localizada na Estrada do Rincão, está em fase de conclusão, falta apenas instalação elétrica, pavimentação do entorno e chegada dos equipamentos.
- UT Centro Vida: Será erguida em terreno na Avenida Baltazar de Oliveira Garcia cedido pelo governo do Estado. Previsão: até fim de 2016.
CUSTEIO DO PROGRAMA
O orçamento do programa conta com recursos não reembolsáveis de R$ 9 milhões do BNDES Fundo Social e contrapartida de R$ 9 milhões da Prefeitura, totalizando R$ 18 milhões, além da parceria de empresas como Braskem, Celulose Riograndense e Bunge.
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