Projeto básico feito às pressas para garantir financiamento, atrasos no trabalho e nas desapropriações, aditivo possivelmente acima do permitido e uma construtora a passos de tartaruga transformaram uma estrutura que devia estar pronta antes da Copa do Mundo em um buraco a céu aberto que apenas causa prejuízos aos porto-alegrenses.
A trincheira da Rua Anita Garibaldi, uma passagem subterrânea para eliminar o cruzamento com a Terceira Perimetral, teve a construção iniciada - já com atraso - em janeiro de 2013, com previsão de conclusão em um ano, mas ainda se arrasta.
A população da região se posicionou contra a obra quando ela ainda estava no papel. Moradores dos bairros Bela Vista e Mont'Serrat defendiam que a passagem não permitiria aos condutores virar à esquerda na Carlos Gomes, exigindo um grande contorno por ruas hoje arborizadas e pouco movimentadas.
Durante encontros com representantes da prefeitura, clamaram por conhecer projeto da obra, mas nunca tiveram acesso - o que puderam ver era uma projeção 3D de como ficaria quando pronto. O faro dos moradores, seria possível dizer agora, foi certeiro: justamente na elaboração do projeto estaria o principal motivo para os atrasos que ainda se arrastam.
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Zero Hora consultou, via Lei de Acesso à Informação, uma Inspeção Especial realizada durante todo o andamento da obra pelo Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE/RS). O processo ainda não foi julgado, mas apontamentos dos auditores indicam possíveis inconsistências no andamento da obra.
O projeto básico seria o principal causador do atraso. Evidências que constam nos documentos do órgão mostram que o trabalho entregue por meio de um convênio entre a prefeitura e o Centro das Indústrias do Rio Grande do Sul (Ciergs) era falho. As únicas duas sondagens realizadas no local não encontraram uma rocha sob a Avenida Carlos Gomes, o que resultou em um aditivo no contrato de cerca de R$ 4 milhões.
Essa elevação no custo poderá ser considerada ilegal de acordo com a Lei de Licitações (8.666/93), pois ultrapassa o limite de 25% de aumento sobre o valor inicial de R$ 10,7 milhões - altas acima de 25% só são aceitas sob algumas justificativas, como um fato imprevisível, por exemplo.
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Além disso, Martin Alfredo Beier, engenheiro responsável pela Deltacon Engenharia, que assina o projeto básico, teria participado posteriormente da realização do projeto executivo contratado pela Sultepa, construtora vencedora da concorrência, algo vetado no próprio termo de cooperação assinado entre prefeitura e Ciergs e na Lei de Licitações. A autoria do projeto executivo seria da Triunfo Engenheiros Associados - quem assina a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) do projeto executivo é o filho de Martin, Marcos Beier.
CREA fala em falha na investigação do solo
No entanto, era Martin quem fazia o acompanhamento dos projetos, de acordo com relatório da equipe de fiscalização do TCE, que esteve com ele em reunião em setembro de 2013.
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Trecho do texto apresentado pelos auditores diz que "certamente, em uma investigação adequada do subsolo, o mínimo necessário seria que tivessem sido realizados mais furos de sondagem, principalmente na cota mais elevada do terreno, que coincide com o eixo da pista da Av. Carlos Gomes e com o ponto de maior profundidade de escavação da trincheira".
- Tecnicamente, houve falha na localização dos furos. Foram poucos e mal utilizados. Era obrigatório um furo no centro da escavação. Resumindo, não tinha como não saber (que havia a rocha) - afirma Melvis Barrios Junior, presidente do Conselho Regional de Engenharia do RS (Crea).
De acordo com o professor Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociências da
UFRGS e autor do Atlas Ambiental de Porto Alegre, a probabilidade de haver rochas no subsolo daquele local é de pelo menos 90% pelo fato de estar localizado no topo da Crista da Matriz:
- A presença de matacões (grandes peças de granito) naquela região é tão comum que não escapa de nenhum estudante da área.
O coordenador técnico das obras de mobilidade da Secretaria Municipal de Gestão, Rogério Baú, considera que, para um projeto básico, as duas perfurações eram suficientes.
- Foi utilizado o mesmo conceito do projeto da Cristóvão Colombo, onde não houve problemas. É um projetista experimentado. Todos os projetos foram doados com toda a responsabilidade técnica - explica Baú.
Com as obras praticamente paradas desde o final de 2014, a prefeitura rescindiu na última terça-feira o contrato com a Sultepa, construtora vencedora da licitação, e negocia com a 2ª e 3ª colocadas na licitação. Procurado insistentemente pela reportagem, Martin Alfredo Beier não quis dar informações sobre os projetos.
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Paulo de Tarso Dutra, um dos gestores da Mecta Engenharia, que entregou os projetos para a prefeitura pelo convênio com o Ciergs, relatou estar sofrendo problemas de saúde e preferiu não responder aos questionamentos.