- Eu queria essa pia pra mim - diz o rapaz que passa pela pilha de lixo na Rua Coronel Claudino, na zona sul de Porto Alegre.
Não fosse o mau estado de conservação dos itens que se acumulavam na calçada na tarde de quarta-feira, o jovem poderia até incrementar a mobília de casa: a carcaça de uma televisão, parte de uma máquina de lavar, o monitor de um computador e uma pia de cozinha dividiam o espaço com sacolas e caixas de papelão no lixão irregular armado ao lado de uma obra municipal. Existente há mais de 20 anos, o foco de lixo foi considerado solucionado pela prefeitura em 2014, mas durou pouco.
Na semana em que se completa um ano do novo Código Municipal de Limpeza Urbana, que endureceu as penas para quem descarta detritos irregularmente na Capital, ZH voltou aos pontos visitados em 2014 e constatou que nem as multas deixaram a cidade mais limpa. Dos sete locais (confira abaixo), apenas a Avenida Mauá teve o cenário de lixo substituído pelo asseio.
Conforme o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), os focos de lixo caíram 35% em um ano - em parte, graças à nova lei. Eram 459 espalhados na cidade, hoje são 339. O diretor do órgão, André Carús, contesta a amostra verificada por ZH, já que não esteve nos pontos onde o problema foi solucionado.
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- Depende muito, também, da responsabilidade que a população compartilha com o poder público de garantir que esses focos não retornarão - diz Carús. - A multa educa, e a permanente fiscalização que é exercida contribui para que as pessoas formem maior consciência e entendam que o poder público cumpre o seu papel e tem a operação regular de limpeza da cidade, mas, se a população não colaborar, nada disso produz resultado.
Multas somam mais de R$ 600 mil
Desde o início da lei, o DMLU aplicou 922 multas. Foram recolhidos R$ 92 mil em autos de infração (valor equivalente à compra de 23 contêineres), e R$ 94 mil são de infratores inadimplentes. O montante não é considerado irrisório pela prefeitura, já que se tratam de processos administrativos encerrados.
Outros R$ 422 mil vencem até o final de 2015, e ainda há casos em que a defesa está em análise. As três infrações mais comuns, segundo o DMLU, são: mistura de lixo seco com orgânico nos contêineres, depósito de grandes proporções de resíduos em áreas verde e descarte incorreto.
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O urbanista Eber Pires Marzulo, professor do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS, aponta que a sensação de uma Porto Alegre suja tem relação com falha na fiscalização.
- Uma penalização implica em ter fiscalização, que não é nem no sentido de um hipotético receio do infrator em receber a penalidade, mas simplesmente o caráter inibidor. Acho que teria de haver dois processos anteriores: primeiro, ter recolhimento adequado e sistemático (mais lixeiras e contêineres para resíduos recicláveis, por exemplo) e, segundo, fiscais circulando - aponta.
O DMLU conta com 33 fiscais para identificar quem suja toda a cidade, mas outras três frentes auxiliam o órgão: denúncias da população por meio do 156, flagrantes registrados pelas câmeras espalhadas por Porto Alegre e ajuda pela fiscalização de outros setores, como agentes de trânsito.
Confira a situação dos pontos revisitados por ZH:
Rua Coronel Claudino
Foi o ponto mais crítico visitado por ZH em abril de 2014 e, um mês depois, o esgoto a céu aberto seguia no local e o canteiro permanecia como depósito de lixo. Em maio deste ano, o cenário piorou: sacolas, caixas de papelão, isopor e móveis sujam a calçada da rua, no bairro Cristal. O foco de lixo é crônico (existe há mais de 20 anos no local).
Arroio Cavalhada
Em 2014, o resíduo se misturava com a terra às margens do arroio e, na água, o lixo boiava. Neste ano, nada mudou: sacos de lixo tomam o curso d'água junto à Avenida Icaraí.
Arroio Sanga da Morte
No arroio junto às avenidas Icaraí e Chuí, foi constatada a movimentação intensa de catadores de lixo em 2014. Neste ano, nenhum deles foi localizado, mas três cavalos haviam sido "estacionados" na área. O local tem ares de lixão (porém, irregular): jornais, roupas, sacolas, pedaços de madeira, copos e montes de caixas de papelão sujam a paisagem.
Praça Visconde de Taunay
Sobre o banco junto à Avenida Ipiranga fotografado em abril de 2014, havia uma caixa de papelão e outra meia dúzia na grama. No mesmo ponto, ZH encontrou apenas um tênis abandonado na quarta-feira. No restante da praça, porém, o lixo segue por toda a parte. Na via lateral (a Rua Gastão Rholdes), caliça de obra se acumula em torno de três contêineres de entulho.
Rua José Pedro Boéssio
A via próxima à Arena do Grêmio, no bairro Humaitá, persiste com foco de lixo irregular em uma área verde. Caliça, sacolas, garrafas, isopor, colchão e até um sofá foram encontrados no local - marcado pelo mau cheiro.
Avenida Mauá
Contava com sacos de caliça nas proximidades da Casa de Bombas do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae). Na quarta, a calçada estava limpa, e nenhum resíduo foi avistado.
* Zero Hora