* Professora Titular de Imunologia da PUCRS e Pesquisadora 1C do CNPq. Escreve mensalmente no caderno PrOA.
A história que eu ouvi é a de que o então presidente Lula, num jogo de futebol, teria perguntado a um eminente cientista brasileiro: se você puder escolher uma coisa que eu posso fazer para ajudar a ciência brasileira, o que seria? O cientista respondeu sem pestanejar: agilizar a liberação de produtos importados na alfândega. O presidente, fixando os olhos do cientista, teria replicado: diga-me que outra coisa eu posso fazer pela ciência brasileira.
O time de cientistas do Brasil hoje consegue armar jogadas fantásticas, faz um belo meio de campo, mas consegue marcar poucos gols. A história acima, verdadeira ou não, ilustra o inacreditável nível de impotência da máquina governamental face ao principal entrave encontrado pelos pesquisadores brasileiros em suprir seus laboratórios. Para fazer pesquisa são necessários insumos, muitas vezes sofisticados e com um nível de pureza que não é possível de ser obtido no Brasil. Não somos um pais tecnológico. Nossa economia é baseada em commodities, produtos primários de extração e agricultura. Não investimos em produção de tecnologia e por isso precisamos importá-la. Este é o dia a dia do pesquisador brasileiro.
Lembro do choque que levei quando, trabalhando nos Estados Unidos, pedi um reagente que no Brasil demorava meses para chegar. Eu telefonei para a empresa de manhã, e de tarde estava em cima da minha mesa. Hoje, o tempo médio de obtenção de um insumo importado para pesquisa no Brasil é de três a seis meses. Isso significa que, se um cientista brasileiro tiver a mesma ideia que um estrangeiro ao mesmo tempo, e ambos pedirem o reagente ao mesmo tempo, o americano sai com seis meses de vantagem. Se for necessário dois reagentes, então, estamos falando de um ano. A razão da demora é o emaranhado burocrático alfandegário, juntamente com a Anvisa, a agência de vigilância sanitária. Um estudo da UFRJ mostrou que 99% dos pesquisadores entrevistados já tiveram de desistir de uma pesquisa por terem seus reagentes trancados na alfândega. Além do preço do insumo importado ser triplicado pela importação, frequentemente a demora na liberação da alfândega leva à perda total do mesmo. Alguns insumos vêm congelados, mas o processo alfandegário não prevê a manutenção da temperatura nem por um dia, quem dirá meses. Lembrando que os recursos para comprar e importar aquele insumo, na maioria das vezes, vêm do próprio governo. Ou ainda, reagentes doados de instituições estrangeiras, sem custo para seus colaboradores brasileiros, apodrecem nas prateleiras dos aeroportos.
O desespero que isso gera na comunidade científica chega ao cúmulo de fazer com que muitos resolvam utilizar criatividade em jogadas ensaiadas de alto risco. Frascos pequenos viajam do exterior em estojos de maquiagens ou de cremes de barba. Um cientista - juram que essa história é verdadeira -, ao importar camundongos mutantes para um gene que estudava, teve os animais presos na alfândega. Como os animais morreriam sem alimentação, implorou que os fiscais o deixassem alimentá-los. Entrou na sala com animais normais no bolso e saiu com os mutantes, e assim garantiu a pesquisa. Eu pergunto, o que tais autoridades esperam ganhar ao forçar um cientista a esse comportamento? Será que esse cérebro não seria melhor aproveitado focando no trabalho? Pior ainda é imaginar que tipo de contravenção os agentes da vigilância sanitária acreditam estar evitando ao utilizar as atuais regulamentações de importação. Será que vale a pena? A pesquisa científica não gera apenas conhecimento, mas tecnologias novas que irão movimentar a economia, criando novos medicamentos, e mesmo novos insumos para diferentes áreas, para que eles não mais precisem ser importados!
Romário foi ídolo de todos no futebol, e atualmente é ídolo dos cientistas do Brasil. Romário tem uma filha com síndrome de Down, e, hoje deputado federal, propõe um projeto de lei que desburocratiza o processo para importação de reagentes para pesquisa. Como craque, ele entende o valor de encurtar o tempo entre idealizar e finalizar a jogada. Como pai, sente na carne a falta de alternativas brasileiras para crianças com problemas de saúde. Como deputado federal, é um dos poucos a marcar um golaço.