São 18h30min de sexta-feira e 25 pessoas estão plantadas em diferentes partes de Porto Alegre à espera de que Oscar Alberto Schroder, 56 anos, arranje-lhes um táxi. Sentado em um cubículo no último andar de um prédio da Rua da Praia, a máquina de café ao lado, ele fala ao rádio em ritmo frenético, lutando para encontrar entre 300 taxistas credenciados quem possa atender aos pedidos.
Lá fora, o trânsito se arrasta e os pontos de táxi estão vazios. O tempo escoa sem que apareçam carros desocupados. É o pior horário do pior dia da semana. Quando um pedido é finalmente atendido, outros dois pipocam na tela do computador. Alguns clientes já estão na fila há 45 minutos.
De tempos um tempos, um dos três telefonistas recebe o chamado de alguém que cansou de esperar, bate no vidro que o separa do cubículo e grita para Oscar:
- Cancela o 7597!
Oscar passa mensagem via rádio:
- Cancela o carro aí, seu Fraga.
- Cheguei agora mesmo. É brincadeira - ouve-se o motorista a reclamar.
Em vídeo, acompanhe a rotina de Oscar:
Quem apanha um telefone e pede um táxi, esperando que ele se materialize diante de casa em cinco minutos, sequer imagina o trabalho árduo feito por operadores como Oscar. São seis horas consecutivas ao rádio, forcejando para dar conta de uma torrente interminável de chamados que se embaralham no monitor.
Gerente da empresa Tele Táxi, o ex-operador Fernando Gonçalves afirma que é quase impossível achar pessoas com as características necessárias para a função:
- O operador tem de conhecer as ruas, a numeração, onde elas começam e terminam. Além disso, precisa ser uma pessoa com capacidade de coordenar, ou então o taxista não sente firmeza. É uma correria. O cara termina o turno falando sozinho.
Oscar se destaca por ir além desses requisitos básicos. Todos gabam sua memória prodigiosa, instrumento que permite acelerar o atendimento aos clientes. Taxista durante décadas, ele gravou o mapa de Porto Alegre na mente. Conhece as ruas na intimidade, sendo capaz de dizer a numeração das esquinas, de citar detalhes de cada vizinhança.
Quando recebe o pedido de um táxi na tela do computador, situa o chamado nesse seu detalhado mapa mental e, em uma fração de tempo, avalia qual dos 26 pontos fixos da empresa é capaz de atendê-lo com mais agilidade. O resultado desse processo sai em um jorro verbal:
- Quem é o ponta na Moura com a Presidente? Vai na São Pedro, número 512. Quem é o ponta na Avenida do Forte? Avenida Grécia, 1.100, torre B de Brasil. Qual é a rua do Jardim Morada do Sol? Está faltando a rua aqui. É na José Domingues Medeiros? Se for, é do lado do presídio. Será que é lá mesmo? Vamos tentar.
As comprovações da memória do operador se sucedem na sexta-feira atribulada. Alguém menciona um endereço e ele de pronto informa tratar-se da sede de determinada empresa. Um taxista pergunta onde fica uma via obscura e Oscar repassa instruções precisas, com o Guia das Ruas fechado sob a mesa. A dada altura, um motorista entra no rádio para dizer que está no km 419 da BR-386, mas não está achando o cliente.
- Bá, tu estás longe, hein? - espanta-se o operador.
Passam-se alguns minutos e a telefonista atende uma ligação do cliente que pediu o carro na rodovia. Ele quer o celular do taxista, para orientá-lo. A funcionária estica o pescoço para a porta do cubículo e pede a Oscar que contate o condutor pelo rádio, para perguntar-lhe o telefone. Sem pestanejar, o operador vira o rosto em direção à colega e declama o número do taxista. Ele sabe de cabeça nome, prefixo e telefone da maior parte dos 300 motoristas.
- Tenho uma memória razoável - afirma, modesto.
- O homem é um computador. Conhece todas as quebradinhas. Tu fala o endereço e ele te dá até a cor da casa - contradiz o gerente.
Apesar de tantos dados armazenados na cabeça, não há milagre que faça todos os pedidos de um final de tarde de sexta-feira serem atendidos. De vez em quando, Oscar apaga os que aguardam há mais de 45 minutos, na presunção de que o cliente, se não ligou para reclamar, é porque apanhou táxi na rua. Mas muitos ligam, querendo os carros prometidos.
- Desculpe, não estamos conseguindo nenhum carro.... Não sei dizer.... Estamos tentando... - responde a telefonista.
Oscar atribui parte da dificuldade aos aplicativos de celular que se popularizaram nos últimos tempos. Segundo ele, é comum que os motoristas não atendam aos chamados pelo rádio por estarem fazendo corridas obtidas em paralelo, pelo sistema online. Em 2014, a Tele Táxi chegou a aposentar o rádio e investiu no seu próprio aplicativo.
Quando um pedido era feito, o sistema acionava o carro mais próximo, usando o GPS. A novidade acabou rejeitada pelos taxistas, por causa de desencontros de informação, e pelos clientes mais antigos, que não queriam saber de inovações.
Em outubro, após seis meses de experiência, o software foi descartado. Oscar voltou a reinar pelo rádio. Sua estreia foi há mais de 25 anos, antes dos computadores. Os pedidos chegavam em fichas manuscritas, e um dos desafios era decifrar a caligrafia da telefonista. Ele lembra bem da primeira noite:
- Foi em 22 de junho de 1988. Eu não tinha prática nenhuma. Todo mundo falava, conversavam uns com os outros, e eu não sabia identificar quem era quem. Me atrapalhei todo.
Hoje, ele diz não ver maiores dificuldades no ofício. Chega em cima da hora, bate o ponto, passa no banheiro e já está pronto para acomodar-se na cadeira colocada sobre uma chapa de compensado, diante do rádio e do computador. Faz piadas com os motoristas:
- Está no ponto? Então sai do ponto, senão vai queimar.
Mas um turno de sexta-feira à noite, quando mil chamados podem se acumular ao longo de seis horas, especialmente se houver chuva, é sempre um teste para os nervos. O cliente cobra da telefonista, a telefonista cobra de Oscar, e Oscar, a tela repleta de pedidos em aberto, não encontra taxista a quem repassar o encargo.
- Quem é o ponta no Hospital Militar? Aí na Buarque de Macedo acima da Benjamin, pro aeroporto. Lá na Itaboraí, com a Barão. Aí na Neusa, com a Vicente. Marcada para 19h na Eça de Queiroz. Otelo Rosa, Luiz de Camões, Florêncio Ygartua com a 24, República no 500. Julio de Castilhos aqui com a Praça Parobé. Landell de Moura. Dona Laura aí no 800, Murilo furtado, Gonçalves Dias no 100. Mil e Seiscentos na Quintino. Almirante Abreu. Roque Callage, lá próximo à Cipó. Na Bordini, número 1000. Na Eça de Queiroz, está marcado às 19h. Landell de Moura, Murilo Furtado, Gonçalves Dias, Quintino Bocaiúva, 1600, Almirante Abreu. Felizardo aí no Botânico. Quem é que está na Gaúcha Car? Aí na São Benedito? Eça de Queirós, horário marcado, faltando 20 minutos. Quem é o ponta aí na TV Pampa? Não tem carro. Meu Deus do céu! Tá louco. Não tem. Ai, Ai...