* Historiador, professor titular de Relações Internacionais da UFRGS. Escreve mensalmente no caderno PrOA
Aos 91 anos, Kissinger lança seu 17º livro, World Order. Professor de Harvard e ex-assessor de segurança e Secretário de Estado nos governos republicanos de Nixon e Johnson, entre 1969 e 1977, Kissinger foi e continua a ser influente junto à Casa Branca. Mas angariou má reputação pelas ações no Vietnã, Timor, Chile e Angola. E muitos dos seus livros, apesar da fama, têm um tom narrativo vaidoso generalista ou especulativo, evitando o que é polêmico. Sua tese de doutoramento, O Mundo Restaurado, sobre o equilíbrio de poder instaurado após as Guerras Napoleônicas, continua sendo sua melhor obra, histórica e teórica.
Todavia, talvez devido à idade e aos descaminhos da (des)ordem mundial, Kissinger vem defendendo algumas de suas ações passadas e propondo estratégias aos confusos governantes do século 21. Em Sobre a China, seu livro anterior, Kissinger buscou demonstrar o acerto do estabelecimento da aliança sino-americana em 1971-72, jogada ousada que mudou o mundo e contribuiu para a queda da União Soviética.
Agora ele se pergunta se a nova ordem surgirá do caos ou da inteligência.
A nova obra analisa o caos contemporâneo, com o terrorismo, a proliferação de armas e as ameaças ao Estado, inclusive como conceito norteador das relações internacionais. E ele lembra que a Paz de Westfália (1648) resultou do completo esgotamento dos Estados europeus, com a perda de um quarto da população. O compromisso pode surgir mesmo sem o fundamento de uma moral superior. E Kissinger se preocupa com a irracionalidade de certas políticas atuais.
Surpreendentemente, ele critica a atitude ocidental em relação à Rússia a propósito da Crimeia e da Ucrânia. Alega que Putin exibe poder tático para camuflar sua debilidade estratégica, ao ser rejeitado pela Europa e pelos Estados Unidos. Considera Moscou importante para resolver a questão nuclear iraniana e a guerra civil síria, em relação à qual considera um erro ignorar o governo de Bachar Al-Assad (sendo necessário evitar uma nova Líbia). O Ocidente não tem objetivos claros, carece de meios e não tem aliados confiáveis para combater o extremismo do Estado Islâmico.
Todavia, Kissinger demonstra que há condições objetivas para o estabelecimento de uma Nova Ordem, através da ação de várias potencias conjugadas, e não pela retomada da Guerra Fria. O mundo de hoje é de tal forma integrado, que qualquer acontecimento tem impacto global. A tecnologia, as comunicações e o comercio criaram as condições objetivas para que a inteligência possa moldar o futuro. Um livro lúcido, racional e maduro que merece ser lido.
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