No dia em que a Polícia Federal bateu na mansão de Eike Batista e de lá retirou a Lamborghini branca que enfeitava a sala de estar, um Porsche e outros quatro carros, um piano e um ovo Fabergé que depois se revelaria uma imitação, a jornalista Malu Gaspar escreveu em seu perfil no Facebook: "Tá ficando difícil atualizar esse epílogo!". Malu é a autora de Tudo ou Nada, livro essencial para entender a ascensão e a queda de Eike Batista, o homem que já foi o mais rico do Brasil e, no início de fevereiro, perdeu os últimos símbolos de sua vida de extravagâncias.
Não foram só os carros de luxo e a imitação de Fabergé. O iate ancorado em frente à mansão de Angra dos Reis, três jet skis e duas embarcações também foram para um depósito, como garantia de pagamento aos credores lesados. A Justiça autorizou o bloqueio de milhões de dólares e de bens repassados aos filhos e às ex-mulheres, a ex-atriz Luma de Oliveira e a empresária Flávia Sampaio, na tentativa derradeira de salvar pelo menos parte da fortuna.
Malu Gaspar tem dificuldade para atualizar o epílogo porque a cada dia se sucedem fatos novos na trajetória descendente do filho de Eliezer Batista, o homem que há nem 10 anos era tratado como um símbolo de ousadia, inovação e empreendedorismo.
Nas 545 páginas de Tudo ou Nada, Malu Gaspar conta a história do Grupo X e constrói um perfil impiedoso de seu comandante. O visionário que encantava plateias e seduzia investidores emerge das páginas como um bufão. O Eike retratado no livro é um megalômano que não conhecia limites, um empresário de ética duvidosa, um jogador que enganou analistas, ganhou e perdeu bilhões no cassino do mercado de capitais, um ilusionista que vendia vento como se fosse petróleo, ouro ou diamante
Se Tudo ou Nada fosse um romance, o personagem Eike seria considerado clichê - um tipo que lembra os homens dos best-sellers de Sidney Sheldon. Um sujeito que exibe carros de luxo na sala da mansão, monta no Rio uma filial do seu restaurante preferido, o Mr. Lam (e importa o chef), usa um estranho aplique para disfarçar a calvície e coleciona aviões, barcos, mulheres e amigos poderosos entre políticos e empresários.
Mas o Eike de Malu Gaspar é real, construído a partir de depoimentos de quem conviveu ou trabalhou com e para ele, de documentos públicos e secretos, de gravações de entrevistas antigas e de recortes de jornais e revistas que o exaltaram nos tempos de glória. A jornalista entrevistou 106 pessoas, reconstituiu cenas e diálogos que dão ao livro o aspecto de roteiro pronto para ser filmado.
Ao narrar a trajetória do Grupo X, Malu Gaspar brinda os leitores com um painel sobre usos e costumes do capitalismo brasileiro do século 21, das relações promíscuas entre políticos e empresários, de como funciona a manipulação no mercado de capitais. De certa forma, ajuda a entender até o funcionamento do esquema de corrupção na Petrobras, que está sendo desvendado na Operação Lava-Jato.
Eike criou uma petroleira para competir com a Petrobras. Recrutou executivos na estatal, pagando salários astronômicos e oferecendo pacotes de ações que transformaram alguns deles em milionários. Em um negócio que move bilhões, colegas que ficaram na Petrobras encontraram um jeito de enriquecer também, aumentando o valor da propina que começara a ser cobrada ainda no século 20.
Lançado em outubro passado, Tudo ou Nada já está com o epílogo defasado. Com o título De Volta ao Começo, o capítulo final fala de um Eike falido, em abril de 2014, consultando um guru coreano, discípulo do Dalai Lama, e dele ouvindo uma exótica profecia: "O senhor é um líder nato. O senhor nunca atuou em política, mas é um talento político. O senhor será presidente do Brasil."
O que aconteceu depois não cabe no posfácio das próximas edições. Malu Gaspar terá de escrever outro volume, que pode começar com Eike no banco dos réus. Ou com o juiz Flávio Roberto de Souza dirigindo o Porsche Cayenne ou tocando o piano que levou da casa do empresário para seu condomínio. Esse epílogo ainda está em aberto. Se virar filme, será difícil encontrar um ator capaz de encontrar o tom do personagem principal sem parecer caricatura.