* Professor titular de Antropologia da UFRGS e membro da Academia Brasileira de Ciências. Escreve mensalmente no PrOA.
Leitor, não se assuste com o parágrafo que segue. Em seguida, explicarei:
Pondere que acinte! Este que vos fala flanava sorumbático pela rua quando viu, com seus olhos que a terra há de comer, aquele biltre com aspecto patibular que atende pela alcunha de Epaminondas. Aquele mesmo sacripanta que vivia me assacando aleivosias e prodigalizando impropérios e convícios e coisas desse jaez. Como sói acontecer, o pilantra vinha acompanhado de uma sirigaita com quem vive amasiado em conúbio ignóbil. A lambisgoia é teuda e manteuda por ele. Cansado de ver o gajo semear a discórdia no seio de minha família, ao avistá-lo, fiquei de atalaia. Mirei-o de soslaio, temendo que cometesse mais acintes e proferisse dislates. Evitando sua perfídia, colhi o ensejo para adentrar um carro de praça que vinha passando. O chauffeur era um tipo macambúzio que gostava de rir à sorrelfa dos transeuntes que quase atropelava. Determinei que me conduzisse a um restaurante onde servem refeições da pontinha. A porta tem uma aldrava que é preciso fazer soar para ser atendido. Fui servido um prato supimpa e tudo mais que me apetecesse. Passada a refeição, o degas aqui recolheu-se ao lar onde queimou uma pestana. Folgo em saber que agora tudo está como dantes no quartel de Abrantes.
Em tradução livre para o malandrês:
Saca essa parada sinistra! Tava de banda pela rua, boladão, quando cruzei com aquele arrombado do Epaminondas. Aquele caozeiro vacilão que vivia me detonando pelas costas, só pra queimar o meu filme. Pra variar, o 171 veio com uma periguete que ele tá pegando. A vagaba vive nas costas dele, só no 0800 com tudo pago. De tanto o coisa ruim me esculachar, quando deparei com os cornos dele, liguei o alerta. Olhei de banda, com medo que ele viesse de zoação. Pra não levar uma rasteira, meti o pé e peguei um táxi que passava batido. O piloto era uma figura meio deprê, que vivia tirando onda de atropelar pedestres. Mandei na letra pra ele me levar numa bodega que serve um grude maneiro. Véi, a porta tem ferrolho que precisa bater pra ser atendido. Aí baixaram um rango de responsa, com tudo o que eu mereço. Depois de forrar a barriga, o malandro aqui foi pra casa tirar um ronco. Agora tô de boa sabendo que nada mudou.
Há uma série de termos que eram utilizados em priscas (oops) eras e que caíram em desuso. São palavras que foram substituídas por expressões que em breve poderão ter o mesmo destino. Quem se lembra de termos como "bocomoco", "songamonga", que eram muito moderninhos e agora são para lá de passados? Como toda expressão cultural, os vocábulos vêm e vão. Neologismos são incorporados ao léxico e no começo causam um certo alvoroço.
Alguns dos vocábulos do parágrafo inicial faziam sentido antigamente, mas hoje em dia requerem que se consulte o dicionário (o Aurélio, como se dizia antes de surgir o Houaiss). De certo modo, essas palavras foram exiladas. Isso não quer dizer que não possam ressuscitar e voltar ao nosso convívio. Basta que adquiram nova roupagem e se atualizem. Os termos usados na tradução do malandrês também se tornarão antiquados em breve.
A linguagem lembra de algum modo a vestimenta. Existem certas regras e modos que precisam ser respeitados, mas dentro desse universo há muita possibilidade de escolha e uma grande variedade de expressões. São os costumes e a prática que determinam o que é usado e o que deixa de ser usado. Assim como podemos vestir uma roupa antiga com muito sucesso, uma expressão aparentemente antiquada pode voltar a ser empregada num novo contexto.
Logo que os computadores pessoais foram se popularizando, surgiram termos como deletar, clicar, inicializar, etc. No começo, eles provocavam reações adversas, mas aos poucos foram sendo aceitos e acabaram sendo naturalizados e incorporados ao jargão diário. Alguns se originam no inglês (como "default"), outras no latim (como "deletar").
Há termos que tinham um sentido original mas que foi modificado, e que acabaram sendo incorporados ao linguajar diário. No Rio Grande Sul temos alguns exemplos. Privadas são frequentemente chamadas de "patentes", porque eram importadas e nelas se lia "Patented". A palavra sirigote, que se refere ao lombilho usado em montarias, é uma corruptela da expressão "sehr gut" (muito bom) utilizada pelos colonos alemães. Pechada, que entre nós significa colisão de veículos não tem nada a ver com peixes, mas com a palavra "pecho", peito em espanhol, e se refere ao choque de dois corpos.
O esquecimento de algumas palavras e expressões e a incorporação de novas são benfazejos. Eles indicam que a língua é algo vivo e pulsante. Folgo em sabê-lo.