É fácil achar a casa mais animada no Carnaval da Rua Sofia Veloso, na Cidade Baixa, o bairro mais boêmio de Porto Alegre. Quase no meio da quadra, à esquerda de quem percorre a via em formato de L em direção à Rua da República, o casarão de dois andares estava coberto de serpentina. Seus moradores aproveitavam a folia com os familiares. Uma das residentes, chamada Neiva Aristimunha, curtia a festa do bloco Maria do Bairro, na semana passada.
- Ela não quer entrar de jeito nenhum - disse uma funcionária, agarrada ao braço da foliã.
Neiva falou "não me esperem", olhando para o casarão. E voltou os olhos novamente para a rua, repleta de gente pulando, dançando, cantando. Detalhe: Neiva tem 77 anos. Com uma flor no cabelo, acompanhava o som que chegava da Rua Lima e Silva, onde o bloco Maria do Bairro fazia a festa.
Dentro da casa, velhinhos e velhinhas também estavam enfeitados. Não propriamente com fantasias, mas pequenos ornamentos, como tiaras coloridas, colares havaianos de flores de plástico e camisetas de tipo bloco carnavalesco, como a que Valdemar Peres, 89 anos, vestia, com os dizeres "Sassarico da Melhor". De origem argentina, foi motorista do ex-presidente João Goulart. Até hoje, acredita que Jango foi assassinado, mesmo que um recente exame não tenha encontrado sinais de envenenamento.
Peres teve tantas namoradas que nem dá muita bola para o Carnaval de hoje e toda a pegação envolvida. Diz que adora cerveja, que o Jango era sempre o primeiro a tomar um gole quando estavam munidos de bebidas alcoólicas nos churrascos, tocou muito bandoneon, jogou muito truco, foi caminhoneiro na Argentina e teve seu último emprego como motorista de político no Vale do Sinos. Enfim, é um cara que viveu. E, quando perguntado sobre o que lhe faz sorrir, responde rápido:
- As carneadas de ovelhas.
Faz cinco anos que os velhinhos do Residencial Gerion Moinhos da Cidade Baixa aproveitam o Carnaval do bairro. A ideia surgiu em uma época em que outros moradores haviam formulado um abaixo-assinado para acabar com o Carnaval na região. O administrador hospitalar Fabiano Bormann decidiu não assinar o documento. Mais: fez os velhinhos caírem na gandaia. Ganhou críticos na vizinhança, mas também o apoio dos familiares dos residentes e dos próprios velhinhos.
- É um momento muito legal, essa vivência com a comunidade. Eles se sentem supervivos. Velho legal é velho na festa - afirma Bormann.
Que o diga Lori Ribeiro Gomes, 81 anos. Ela passou muitos carnavais na Fronteira Oeste, e, "aparentemente", o da Cidade Baixa é melhor, compara, ainda que seja uma bagunça completa. O barulho não a incomoda. Trabalhou a vida inteira como professora de crianças pequenas, verdadeiras usinas sonoras. O que mais tem gostado no Carnaval no residencial, porém, vai além do Carnaval:
- Música e sorvete.
Os velhinhos sentem muito mais frio do que os jovens, e a noite começava a ganhar o céu e fazer circular um ar gelado. Só que ninguém queria se enfurnar no casarão.
- Não digo que gostei a vida inteira de Carnaval, mas esta noite estava muito boa aqui. Tá melhor que antigamente - diz Elisabeth César, 68 anos.
O ex-motorista do Jango continuava sentado no corredor da casa, comentando sobre suas peripécias. Falava baixo, sua voz era quase inaudível na disputa com a música que entrava pela porta. Seu método era esperar que o interlocutor se aproximasse para repetir certas frases. Está acostumado a dar um jeito nas coisas:
- Nossa vida é um tango. Tem que saber bailar.
Neiva Aristimunha (E) não queria largar a festa: "Não me esperem"
Foto: Caco Konzen, especial