* Professora Titular de Imunologia da PUCRS e Pesquisadora 1C do CNPq. Escreve mensalmente no caderno PrOA.
A água surge no planeta. A vida surge na água. O homem evolui a partir dessa vida. O homem aprende a usar a água. O homem cria tecnologias que sujam e eliminam a água. Sem água, o homem desaparece do planeta. Filme de terror?
Um dos meus livros favoritos é Galápagos, de Kurt Vonnegut. A história é contada com humor anárquico por um fantasma, pois já não existem humanos depois de uma guerra nuclear planetária. Um barco de passeio nas Galápagos, ilhas onde Darwin divisou regras básicas do processo evolutivo, continha os últimos seres humanos. Esses gradualmente adaptaram-se a viver naquele remoto canto de mar, seus descendentes agora se assemelham a leões marinhos, mas mantendo algumas características humanas. Sem noção de que isso poderia ter sido evitado, prosseguem na evolução da espécie.
Sentada à mesa de amigos na praia durante o feriado comentava-se como o mar tem estado mais quente, a água mais azul nos últimos anos aqui no nosso litoral que normalmente nos trazia o famoso mar chocolatão. Um pouco mais de queimaduras por mães-dáguas, mas também nada é perfeito, certo?
Eu estava tão feliz com o feriado e a companhia que não quis começar a falar sobre o fato que os oceanos estão mais quentes por causa do aquecimento global que é agora irreversível. A cor "normal" do nosso famoso chocolatão deve-se a um tipo de alga microscópica marronzinha que prolifera nas correntes mais frias, e por isso tem andado ausente daqui. E as águas vivas encontram-se em fase de proliferação no mundo inteiro, pois, ao contrário dessas algas, beneficiam-se do aumento da temperatura da água.
Preservar a água passa pelos hábitos diários de todos nós, mas, principalmente, o que nos trouxe a este ponto critico foi a falta de planejamento, gestão e educação. Funções que delegamos a governantes e representantes e que são por lei obrigações destes. Educar sobre isso, no Brasil, é função das prefeituras no Ensino Fundamental, do Estado no Ensino Médio e do Governo Federal no nível universitário. Os profissionais que entendem disso existem no Brasil. Por que não estão empregados em posições decisórias nessas instâncias, exercendo o possível e o impossível para que exemplos como o de São Paulo não sejam seguidos? Como é possível que isso não seja uma prioridade?
Mas estou divagando. Finalmente falamos hoje em tomar medidas para salvar o planeta. A verdade, contudo, como lembrou um sábio amigo meu, é que provavelmente o planeta sobreviverá a todas as barbaridades que façamos. Quem não sobreviverá será a nossa espécie. Outras formas de vida evoluirão a partir do que existe, mais adaptadas à nova realidade, seja ela qual for. Talvez a Terra seja populada por novas espécies de águas vivas, felizes em oceanos mornos que cobrirão todo o globo. Provavelmente surgirá alguma espécie que consiga metabolizar o lixo plástico e o óleo que hoje contribuem para a extinção das atuais espécies de aves, peixes e mamíferos marinhos.
Ou ainda, talvez não exista mais água, e as novas formas de vida sejam como os atuais seres do deserto, adaptadas a viver sem água, como alguns lagartos e cactos. Tudo sendo coberto por uma fina poeira que contém restos de DNA de tudo o que já houve um dia no planeta.
Nós? Não estaremos lá para ver esse filme.