* Professora titular de imunologia da PUCRS e pesquisadora 1C do CNPQ. Escreve mensalmente no PrOA
Numa das minhas viagens de treinamento no Exterior trabalhei em um laboratório onde meus colegas eram todos chineses ou indianos. Eu era a única ocidental. Os chineses faziam piadas o tempo inteiro com os indianos sobre uma montanha que a China havia roubado da Índia, ou era o oposto? Não lembro direito, lembro apenas das brincadeiras em inglês durante o chá, as risadas e a volta ao trabalho. Nunca houve briga, nunca houve ofensa, lembravam provocações pós-grenal, um exercício de humor contido por uma necessidade - ou desejo? - de conviver harmoniosamente.
Lembro especialmente de treinar um dos chineses recém-chegados em uma técnica nova, em que eu explicava e perguntava - entendeu? E ele respondia que sim. E depois não conseguia completar o experimento. Depois da terceira rodada de explicações sem resultado, frustrada, consultei um colega dele, mais experiente, para tentar entender se eu estava fazendo algo errado. Para minha total surpresa, ele revelou que, na China, se alguém dedica o seu tempo a lhe explicar algo, é uma profunda falta de educação dizer ao professor ou treinador que você não entendeu. O outro rapaz jamais me diria que não havia compreendido minha explicação! Chocada, perguntei como eu faria pra saber se ele havia entendido. E o Zhang me respondeu - você precisa observar e perceber o que ele não entendeu. E só então poderá ajudá-lo.
Trabalhar com ciência me ensinou mais sobre diferenças culturais e respeito a liberdade de expressão do que qualquer outra experiência. O ambiente científico, principalmente no Exterior, é de uma diversidade estonteante, e por isso mesmo, muito estimulante.
A ciência floresce onde existe liberdade de expressão de opinião, e por isso precisa liderar a sua defesa. A realização das descobertas que mudaram o mundo nunca dependeu de nacionalidade, credo, raça ou orientação sexual. A censura, de informação ou de opiniões, é incompatível com o entendimento das leis que regem a natureza. E a diversidade de culturas faz com que tenhamos de conhecer, compreender e principalmente respeitar os outros se quisermos fazer parte da maravilhosa jornada de descobertas que ele ou ela estão realizando.
Cientistas discordam uns dos outros o tempo inteiro, criticam-se, fazem piadas sobre as coisas mais variadas. Já testemunhei piadas bem mais doloridas que outras, críticas pesadas entre competidores pelo Nobel da mesma área. Você pode achar que sua ideia é melhor que a do colega, mas nunca alguém vai apoiar você se achar que você é melhor que outro, e que por isso precisa suprimir a visão dele. Ou ainda, prender, matar ou torturar alguém que não concorda com você.
Tenho orgulho de meus colegas cientistas que me ensinaram, na prática, como conviver na mesma salinha - ou no mesmo planeta - fazendo das nossas diferenças a nossa riqueza.