Na sua construção, em 1866, e no seu resgate, nesta quarta-feira, o monumento mais antigo de Porto Alegre, o Guaíba e Afluentes, contou com a ajuda de mãos estrangeiras. Primeiro foi o seu criador, o artista italiano José Obino. Nesta quarta-feira, foi o grupo de operários que trabalha na reforma da Praça Dom Sebastião, onde a obra se encontrava desde 1936.
Os trabalhadores começaram a preparar as estátuas para a transferência no começo da manhã. A remoção da primeira peça iniciou-se por volta das 7h30min. A obra foi levada para os jardins da Hidráulica do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), no bairro Moinhos de Vento.
Por diferentes motivos estão em Porto Alegre os seis forasteiros integrantes da equipe de 18 pessoas que trabalha na praça. Quem os acolheu foi Marcos Lima, dono da empresa que leva o seu nome e é terceirizada da Cisal, empreiteira responsável pela remoção do monumento e pela reforma da Dom Sebastião.
- A mão de obra brasileira está cara e escassa. Brasileiro não quer trabalho pesado. Já os estrangeiros estão atrás de emprego, eles têm que pegar o que tem. A gente é cristão e está preocupado em não abandonar esse pessoal. Aí a gente estende a mão - diz Lima.
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Mestre da obra, Lima conseguiu a documentação para legalizar os estrangeiros. As fotos que o ganês Efrimu Alon, 24 anos, tirou para fazer os documentos foram as primeiras da sua vida - fotografia é repudiada por crenças tribais locais. Cansado dos conflitos internos em seu país, Alon se escondeu em um navio, achando que chegaria aos Estados Unidos, onde conhece algumas pessoas. Mas o barco parou na Argentina. Negro, veio para o Brasil para fugir da discriminação.
- O Brasil não discrimina nada. É um país bom, com muito trabalho. E em Gana se paga pouco - analisa.
Foto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
O eletricista dominicano José António Civiaco Pilarte, 28 anos, inseria meticulosamente as pedras portuguesas que comporão o piso da praça. Na República Dominicana, ele ouviu falar que o Brasil estava bem, com emprego sobrando, e decidiu tentar a sorte. Primeiro foi para o Uruguai. Acabou em Porto Alegre, cidade de comida barata em que está há dois meses e para onde pensa trazer a família. Em comparação ao seu país, reclama apenas que Porto Alegre tem mais moradores de rua. Daqui, manda dinheiro à família: tem esposa e dois filhos no país centro-americano.
- Se fala muito do Lula da Silva lá em cima - afirma, referindo-se à América Central.
Nem todos estão na capital gaúcha por causa de emprego ou dinheiro. O uruguaio Alejandro Olivera, 30 anos, é um viajante inveterado que na América do Sul só não conhece Venezuela e Chile. Ele costuma se sustentar com apresentações de malabares nas ruas. Só que teve seus instrumentos de trabalho roubados na capital gaúcha. Precisando de dinheiro, procurou uma vaga na obra e foi aceito. Agora, quer comprar passagem para voltar ao seu país, mas não pensa em ficar por lá:
- Cheguei ao Brasil acompanhando o Uruguai na Copa. Aqui, estou morando na rua. É difícil, mas gosto de viajar. Quando se viaja, se nasce de novo.
Os estrangeiros concordam que o estado do monumento mais antigo da Capital é péssimo, situação que se repete em obras de arte de outras partes da cidade. Mas são unânimes em afirmar, mesmo assim, que Porto Alegre é uma cidade bonita.
No final da tarde, a estátuas estavam instaladas no jardim da Hidráulica do Moinhos de Vento.
Foto: Bruno Marantes Sanchez/Divulgação