A psicóloga Simone Munareto Penteado, 46 anos, rompeu um silêncio de duas décadas. Em 7 de julho de 1994, a então estudante de Psicologia estagiava no Hospital Penitenciário do Presídio Central de Porto Alegre, quando acabou se tornando a refém mais emblemática do maior motim da história do sistema penitenciário gaúcho, participando do começo ao fim da rebelião, já no hotel Plaza São Rafael.
Na ocasião, ela foi levada em um carro pelos assaltantes Dilonei Melara, Celestino Linn e Fernando Rodolfo Dias, o Fernandinho, e ficou na mira de Melara até os instantes finais, dentro do Plaza. Durante a fuga, a psicóloga foi retirada do veículo e colocada um táxi - que acabou invadindo o hall do hotel, em uma cena cinematográfica -, interceptado pelos criminosos próximo ao Parque da Redenção.
Simone revela que a ideia de ir para o Plaza foi dela, por temor de que os bandidos conseguissem escapar pela freeway. Em entrevista concedida a Zero Hora, ela responde às críticas de que foi vítima da Síndrome de Estocolmo e estabeleceu uma relação de afeto com Melara, líder do motim. Confira os principais trechos:
Documentário mostra como foi a maior rebelião do RS:
Qual é a sua principal lembrança do estouro do motim no Presídio Central?
Estava na cozinha, ajudando a organizar o trabalho, e um dos presos falou que havia iniciado uma rebelião. Outros vieram e eles perguntaram onde estava a "doutora" psicóloga e eu me apresentei. A partir daquele momento, todas as vezes que eles se locomoviam, me usavam como escudo. Eles iam abaixados e eu na frente. A todo instante pensava que não podia morrer. Lembro que eles usavam drogas, cheiravam, estavam nervosos. Olhando agora, 20 anos depois, eu não tinha noção da gravidade de tudo aquilo.
Como ocorreu a fuga?
Lembro de ter ouvido que nós, estagiários, não seríamos usados como escudo na fuga, mas um dos apenados achou uma colega parecida com uma ex-namorada e a pegou. Vendo aquilo, me apavorei e disse que se ela fosse, todos iriam. Eu achava que tinha algum poder de barganha. Me colocaram com ela no carro e o Claudinei (Santos, diretor do Hospital Penitenciário). Estavam também o Melara e o Fernandinho. Eles queriam uma rota de fuga. Em um lugar que não recordo, o carro parou e foi uma cravejada de tiros. Abri a janela e joguei a carteira de identidade, gritando "aqui tem reféns, não são só bandidos". O Claudinei, que dirigia o veículo, foi atingido, e ninguém mais sabia dirigir. Eu tinha carteira, mas não queria dizer. Eles mandaram eu assumir o volante. O meu desespero é que estávamos perto do acesso à freeway. Depois que pegasse a estrada, o que podia acontecer conosco? Logo em seguida, eles pegaram um táxi. A ideia principal era ir até o Palácio Piratini. O Melara e o Fernandinho estavam muito nervosos, eles não tinham preparado para onde ir e o que fariam.
Como o táxi foi parar dentro do Plaza?
Naquela altura, a minha fantasia é que eles não pegassem a estrada. Eu queria que eles me trocassem por outro refém. Aí eu lembro que falei do Plaza. O Plaza era superfamoso, luxuoso. Então, vamos para lá. É dinheiro que querem? Vamos lá. Já que querem um lugar que tenha muita gente, vamos até lá. Foi isso que eu falei. Quando eles entraram com o carro no Plaza, a sensação é que tive é de que estava livre. No meio de tanta riqueza, teria alguém mais importante do que eu para ser feito de refém. Essa era a sensação.
Mas não foi o que ocorreu. O que houve nos momentos finais, dentro do hotel?
Lembro do táxi entrando, do impacto da batida e de uma escadaria. Eu ainda acreditava que eles pegariam outra pessoa, só que isso não aconteceu e aí foram os momentos mais tensos. O Melara disse "vamos subir ou seremos mortos". Paramos numa sala grande, envidraçada. Um pessoal de preto, com cordas e armas (Gate), atirou. Fui arrastada atrás dele, meu corpo estava muito exposto. No lugar onde ficamos, não tinha saída. O Melara começou a jogar caixas para baixo e ameaçar tocar fogo para os policiais não subirem. Achei que morreríamos queimados. Tentei acalmá-lo, que a melhor coisa a fazer era se entregar, que não tinha escapatória. Ele perguntou se eu era casada, tinha filhos. Eu não tinha namorado, mas a tensão era grande e eu dizia que sim, que estava com casamento marcado. Ele tinha muito medo de morrer. Depois que ele se entregou, vi um tio meu e o abracei. Despenquei. Quando cheguei em casa, percebi que estava viva, caiu a ficha.
Você foi vítima da Síndrome de Estocolmo?
Eu estava com a vida nas mãos de alguém. Ele me disse que a intenção não era me matar. Obviamente saí com um ato de agradecimento pelo fato de sair fisicamente ilesa. Não tocaram em mim. O momento era tenso, a ameaça constante, mas em nunca ouvi "você será morta". As coisas foram confusas, talvez eu não tenha me expressado bem na época. Eu era grata de estar viva, é isso, quantas coisas poderiam ter acontecido? Síndrome de Estocolmo? Vamos colocar uma interrogação.