À sombra de seus parreirais em Alexander Valley, Francis Ford Coppola dedica à elaboração de conceituados vinhos a boa mão que tem lhe faltado no exercício do cinema, outro artesanato do qual é mestre. É sintomático que o reconhecimento aos rótulos que saem do enclave vinícola erguido por Coppola no norte da Califórnia contraste com a pouca relevância dos filmes que ele assinou nos últimos 20 anos - com o devido desconto da década em que não dirigiu trabalho algum.
Entusiasmo e paixão pelo cinema Coppola, sem dúvida, ainda tem e os exercita continuamente em família. Produz os filmes de sua filha Sofia Coppola, acompanha a carreira dos sobrinhos atores e agora circula todo pimpão ao lado da neta Gia Coppola, bastante elogiada com seu longa-metragem de estreia, Palo Alto, lançado no começo de maio nos Estados Unidos. Gia, 27 anos, é filha do primogênito de Coppola, Gian-Carlo, que morreu em 1986 em acidente numa competição de lanchas.
Nos próprios filmes, porém, o patriarca ainda persegue a velha forma. A mais recente tentativa foi com a fábula gótica Virginia (Twixt, 2011), seu terceiro longa desde a retomada da carreira, com Velha Juventude (Youth Without Youth (2007). Coppola voltou à direção pautado pela independência autoral que almejou desde que ergueu o estandarte da Nova Hollywood para injetar fôlego e vigor no cinema americano, no começo dos anos 1970, ao lado de George Lucas, William Friedkin, Steven Spielberg, Martin Scorsese e Brian De Palma, entre outros amigos que vingaram ou ficaram na promessa.
Um dos visionários a alertar sobre o efeito libertador que a tecnologia teria para os diretores que buscassem independência dos grandes estúdios, Coppola abraçou os projetos de baixo orçamento realizados no suporte digital e sobre os quais tem controle do roteiro à produção e distribuição. Mas nesse processo de tentativa e erro característico do trabalho artesanal, ele ainda não conseguiu acertar o foco.
Velha Juventude resultou num melodrama esotérico sobre a passagem do tempo que passou batido e desagradou até os fãs mais fiéis do cineasta. A esperança foi renovada com Tetro (2009), drama familiar rodado em Buenos Aires no qual Coppola inspirou-se em experiências pessoais para falar de fissuras familiares. Dividiu opiniões, o que já foi um avanço.
Por sua vez, Virginia teve lançamento discreto nos EUA, em 2012, após circular sem maior repercussão por festivais, e apanhou bastante da crítica. Os cinéfilos de Porto Alegre puderam conferir a produção na Seleção de Filmes, em novembro passado. No Brasil, Virginia estreou apenas no Rio e em São Paulo, no começo de 2014, e agora ganha lançamento em DVD e Blu-ray. É um filme que evoca o clima fantástico daquele que foi o último grande trabalho de Coppola atrás da câmera, Drácula de Bram Stoker (1992). Com um subtexto que destaca a pressão sofrida pelos contadores de histórias, como ele, para agradar ao público, Coppola tem com protagonista em Virginia um decadente escritor de romances de bruxaria (Val Kilmer) que está de passagem por cidadezinha assombrada por terrível crime ocorrido no passado. Ali, vislumbra a potencial história de vampiros com a qual poderia se reerguer. Como guias na jornada, o personagem tem o fantasma de uma das vítimas do tal crime (vivida por Elle Fanning) e o espectro de Edgar Allan Poe (Ben Chaplin).
Coppola fez de Virginia laboratório para experimentos com o 3D e diferentes texturas pictóricas. Os lampejos de inspiração visual equilibram-se dramaturgicamente entre a canastrice de Kilmer e a delicada graça de Elle (agora em cartaz em Malévola, como Aurora, a Bela Adormecida). Talvez essa irregularidade resulte de uma ousadia que Coppola planejou mas não levou adiante.
O diretor queria exibir o filme com uma montagem ao vivo, a partir de diferentes opções registradas, recurso que permitiria ao operador manipular tanto o tempo de duração das cenas quanto as resoluções do enredo, conforme a resposta do público diante da tela. A inventiva proposta se mostrou impraticável, o que fez o diretor adiar o lançamento até solucionar a montagem em um combo no qual misturou diferentes climas.
Aos 75 anos, Coppola é o grande capo de uma família que tem o cinema no DNA há cinco gerações. Augustino Coppola, avô do diretor, ajudou no desenvolvimento do Vitaphone, sistema usado nos primórdios do cinema sonoro. Carmine Coppola, seu pai, foi um compositor que não alcançou a carreira que aspirou ter e se tornou conhecido com apoio do filho. Dos seis Oscar conquistados por O Poderoso Chefão 2 (1974) - melhor filme, direção, ator coadjuvante (Roberto De Niro), roteiro adaptado, direção de arte e trilha sonora original, este foi para Carmine (com Nino Rota).
Talento, ambição, disposição ao risco e pretensão levaram Coppola ao topo e também ao cadafalso. Era um cineasta promissor - por conta de filmes como Dementia 13 (1963) e Caminhos Mal Traçados (1969) e já tinha o primeiro de seus cinco Oscar na estante, pelo roteiro de Patton: Rebelde ou Herói? (1970) - quando se endividou administrando a Zoetrope, produtora que ergueu em San Francisco com o amigo George Lucas. Para fechar as contas, teve de rever seu utópico sonho de independência aceitando realizar para a Paramount O Poderoso Chefão (1972). Com a fortuna que ganhou, fez A Conversação (1974), fracasso comercial prestigiado pela Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Outra vez no vermelho, Coppola reequilibrou as finanças com O Poderoso Chefão 2 (1974). E lá foi encarar sua mais hercúlea provação: Apocalypse Now (1979), filme de guerra que lhe consumiu anos de trabalho, a saúde e a sanidade. Ergueu com essa obra potente e cultuada outra Palma de Ouro. Em seguida, nova volta na montanha-russa e seu mais espetacular tombo: O Fundo do Coração (1982), estilizado musical totalmente rodado em estúdio. Dos US$ 27 milhões investidos, retornaram das bilheterias americanas pouco mais US$ 600 mil. Falido e jogado ao fundo do poço, Coppola teve que aceitar trabalhos sob encomenda para pagar as dívidas. Por uma década, fez filmes bons e ruins, incluindo um bastante digno terceiro reencontro com a família Corleone, em O Poderoso Chefão 3 (1990).
Após o constrangedor Jack (1996) e o drama de tribunal O Homem Que Fazia Chover (1997), Coppola decidiu dar um tempo e se dedicar à produção de vinhos e aos filmes de parentes e amigos. Cair e se reerguer faz parte da aventura daqueles que gostam de apostar alto. Coppola agora aposta baixo, no quesito financeiro. O único risco que corre é o de ter seu prestígio arranhado, sobretudo quando seus novos filmes são colocados sob a perspectiva dos clássicos que fez.
Coppola poderia mirar no exemplo de William Friedkin, o primeiro da velha turma a vencer Oscar de direção, com Operação França (1971), e que emendou na sequência o sucesso O Exorcista (1973) antes de cair em desgraça em Hollywood. Friedkin promoveu uma vigorosa reviravolta na carreira em filmes como Possuídos (2006) e Killer Joe - Matador de Aluguel (2011). De sujeitos obstinados como esses espera-se sempre o melhor, tanto para beber quanto para ver.
À sombra de seus parreirais, Coppola há de estar pensando no pequeno grande filme que está por fazer, com pouca grana mas com seu toque de mestre devidamente recalibrado.
COPPOLA EM 10 MOMENTOS
Dementia 13 (1963)
O discípulo de Roger Corman mostra talento nesta fábula de horror gótico.
Caminhos Mal Traçados (1969)
Primeiros passos na tentativa de ser autor dono do próprio nariz em Hollywood.
Trilogia O Poderoso Chefão (1972, 1974 e 1990)
Os dois primeiros filmes foram sucessos de crítica e bilheteria que deram a Coppola fama, fortuna e prêmios.
A Conversação (1974)
Preciso registro do clima de paranoia que envolve tanto quem vigia quanto quem é vigiado.
Apocalypse Now (1979)
A obsessão em destacar o lado insano da guerra colocou no limite a saúde e a sanidade do diretor.
O Fundo do Coração (1982)
Visualmente exuberante, este drama romântico estilizado levou Coppola à falência
Vidas sem Rumo (1983) e O Selvagem Da Motocicleta (1983)
Para pagar as contas, fez duas belas crônicas juvenis adaptadas da obra de S.E. Hinton
Peggy Sue - Seu Passado a Espera (1986)
Encantadora viagem no tempo de quem tem a chance de recomeçar e rever as escolhas que fez
Tucker - Um Homem E Seu Sonho (1988)
Tributo aos visionários que teimam em remar contra a maré.
Drácula de Bram Stoker (1992)
Um clássico renovado com reverência e vigor criativo.