Dayrell em cima da tipuana na Avenida João Pessoa
Foto: Carlinhos Carneiro
A passos rápidos, Carlos Dayrell, 61 anos, aproximou-se de umas das árvores que fazem postes de luz parecerem nanicos na Avenida João Pessoa, em frente a um prédio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Porto Alegre. Parou e, calmamente, olhou para cima:
- Ela é alta mesmo - sorria, enquanto era fotografado por Ricardo Chaves.
Era a segunda vez que Dayrell era clicado por Kadão, como é conhecido o fotógrafo de Zero Hora. A primeira delas, há 39 anos, deu-se no mesmo cenário. Mas de um ângulo diferente. Em 25 de fevereiro de 1975, o franzino estudante de Agronomia da UFRGS mirava as lentes de cima para baixo.
Até aquela manhã, quando se tornou o primeiro no país a subir em uma árvore para impedir o seu corte, o mineiro Carlos Alberto Dayrell não tinha nome. Para a juventude da década de 1970, sua calça boca de sino era apenas mais uma. A camisa de manga curta e botões, a volumosa cabeleira encobrindo o pescoço, e mesmo os óculos que hoje são acessório de moda retrô não sugeriam qualquer distinção.
No contexto marcado pela repressão da ditadura, natural seria que Dayrell, como os outros que presenciavam o corte de árvores para a construção do Viaduto Imperatriz Leopoldina, ignorasse a cena. Quase quatro décadas depois, ele recorda com nitidez:
- Foi tudo meio por acaso. Eu saí para fazer a matrícula na faculdade e vi cinco ou seis árvores caídas. Várias pessoas estavam olhando um prédio ser demolido. Fiquei assustado com aquela indiferença, e pensei: vou subir nessa árvore.
Não demorou para que imprensa e curiosos surgissem para acompanhar a situação, que nem mesmo Dayrell tinha ideia de como se desenrolaria. No alto da árvore onde subiu com o auxílio de uma escada emprestada, ganhou a companhia de mais dois estudantes.
A comoção foi tão grande que o diretor da Faculdade de Engenharia subiu na árvore para sugerir uma negociação. O estudante mineiro foi o escolhido para conversar com as autoridades.
Para encerrar o protesto, ele exigiu que as árvores restantes na via não fossem cortadas. Obteve sucesso, mas acabou traído por um golpe de ingenuidade.
- Quando eu estava saindo, um jornalista me chamou. Ele disse: você tem de pedir para garantirem a segurança de vocês - lembra.
Dayrell bem que tentou. Ao voltar à tipuana para anunciar a vitória, porém, deparou com uma confusão: revoltadas com a prisão dos outros dois estudantes que subiram na árvore, pessoas que acompanhavam o protesto reagiram. Os policiais reprimiram as objeções com gás lacrimogêneo e cassetetes.
A dupla que tinha sido colocada no camburão acabou em uma sala do Departamento de Ordem Pública e Social (Dops). Foi liberada horas depois, com a ajuda de advogados e do ambientalista José Lutzenberger.
A partir daí, a estadia do garoto do interior mineiro na capital gaúcha duraria pouco. Preocupada com a integridade do filho, citado por um militar em uma entrevista, dona Alexandrina arquitetou seu retorno para casa cerca de um ano depois do episódio.
- Como eu tive tuberculose, ela disse que eram recomendações médicas. Só fui saber o real motivo muitos anos depois - conta o ambientalista nascido em Sete Lagoas.
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Dayrell levou na bagagem os sonhos alimentados durante a intensa passagem por Porto Alegre. Ao concluir a faculdade de Agronomia, resolveu dedicar sua vida ao ambientalismo.
Hoje vive com a mulher, Cristina Fernandes, e o mais novo dos cinco filhos no município de Montes Claros, no sertão de Minas Gerais. Participou da fundação de uma ONG que trabalha o conceito de agricultura ecológica em comunidades tradicionais, ou ribeirinhas.
Quase nunca vem à cidade da qual recebeu o título de cidadão honorário. A passagem por Porto Alegre no começo do mês foi motivada pela participação em um simpósio em uma universidade da Região Metropolitana. Mas não se desconectou das questões ambientais da Capital.
No ano passado, o mineiro desacostumado ao frio - com a temperatura em torno dos 20ºC em Porto Alegre, usava sandália com meias e carregava um blusão de lã - acompanhou pela internet o protesto contra o corte de árvores na Avenida Edvaldo Pereira Paiva, que acabou em conflito dos manifestantes com a Brigada Militar. E com dezenas de árvores a menos.
- Fiquei impressionado com a falta de diálogo. Tínhamos expectativa que fosse articulada uma negociação. Mas o que aconteceu aqui em 1975 me marcou muito em termos de consciência, de tomar atitude e de ter esperança. É possível transformar, pelo menos, uma parte da realidade.