Tem gente que está atento ao mundo desde antes do Google e por isso desenvolveu habilidades que não sei se ou como sobreviverão nos próximos tempos. Estou pensando no talento para adquirir informação cultural.
Conto um caso pessoal como exemplo: sou de 1958 (bom ano para nascer: primeira Copa do Mundo para o Brasil, primeiro disco do João Gilberto, arrancada da bossa nova) e quando aprendia a ler e escrever brotou a ditadura de 1964. Sem a minha participação e igualmente sem que eu me desse conta.
Aí chego à adolescência na virada para os anos 1970, período mais fechado da censura. Período em que começo a frequentar O Pasquim, jornal de oposição bem-humorada. Ali eu começo a ler Paulo Francis e Sérgio Augusto, colunistas de cultura, que a cada semana citavam dezenas de nomes de pessoas, discos, filmes, livros, de que eu não fazia a mais remota ideia, mas que obviamente passaram a figurar entre meus objetos de desejo: quando crescesse eu queria ter lido ou me preparar para ler aquilo tudo.
Veio o tempo, li muita coisa, mas tudo mudou de um jeito estranho. De que jeito mudou? É que agora leituras, discos e filmes são disponíveis ao mesmo tempo, nesse mundo divino e diabólico da rede mundial. E se eu tivesse hoje 13 ou 15 anos e quisesse ter um guia para o mundo da cultura, onde o encontraria?
Esse é o ponto em que entra o imperdível livro da Cláudia Laitano. Meus Livros, Meus Filmes e Tudo Mais é um guia de acesso ao mundo culto. A cada crônica, marcantemente bem escrita, fluente, agradável, inteligente, Cláudia comenta um desses objetos da cultura e oferece dicas de outros livros, discos e filmes que se associam aos anteriores.
Daí a imagem que me veio: a Cláudia, jornalista cultural como os para mim essenciais Sérgio Augusto e Francis, funciona como um guarda de trânsito, que já andou por muitas veredas e oferece aos que chegam uma mãozinha amiga, auxiliando a encontrar o atalho certo, evitando que o cara se perca. Para quem está chegando ou já está mas quer penetrar mais nesse paraíso da cultura letrada (mas sem medo ao pop), o livro novo da Cláudia é uma inteligente saudação de boas-vindas, uma companhia desejável de viagem.
10 sugestões de leitura que aparecem no livro (comentadas pela autora):
1) Tigres no Espelho, de George Steiner: "Ensaios sobre livros e autores escritos com clareza e elegância".
2) Diários 1947-1963, de Susan Sontag: "Trechos do envolvente diário que a escritora escreveu da adolescência até o fim da vida".
3) Aprender a Viver, de Luc Ferry: "Introdução à filosofia para leigos e jovens leitores escrita com ritmo de livro de ficção".
4) A Invenção da Solidão, de Paul Auster: "Ensaios memorialísticos de um dos grandes autores da nossa época".
5) Lavoura Arcaica, de Raduan Nassar: "Um dos maiores romances brasileiros do século 20".
6) Meu Último Suspiro, de Luis Buñuel: "Memórias saborosas e vastas de um dos grandes diretores da história do cinema".
7) Deus Não É Grande, de Christopher Hitchens: "Divertida história das religiões escrita por um ateu".
8) A Arte da Vida, de Zygmunt Bauman: "Reflexões de um dos autores que melhor nos ajuda a entender a nossa época".
9) Carta a D, de André Gorz: "Linda carta de amor de um velho filósofo à companheira de toda a vida".
10) Fazes-me Falta, de Inês Pedrosa: "Romance arrebatador sobre vida e morte, amor e amizade".