Como num Gre-Nal, em que inevitavelmente alguém sai insatisfeito, o quadrinista Mawil disseca suas quatro grandes paixões não correspondidas em Mas Podemos Continuar Amigos (Zarabatana Books), com sessão de autógrafos na Feira neste sábado.
Os quatro capítulos da HQ narram com bom humor e traço simples desventuras amorosas do autor: da mocinha conhecida na pracinha à vizinha de barraca num acampamento do verão.
A dor de cotovelo é tão universal que a imagem ao lado poderia ser a capa original da obra. Poderia, mas Mawil, na verdade uma mistura de Markus com Witzel, seu nome e sobrenome, é alemão e só conhece a Capital há quatro semanas. A imagem, feita especialmente para ZH, é uma brincadeira com o que mais marcou do tempo na cidade.
Berlinense, ele circulou em Porto Alegre com um bloquinho de desenhos (com uma bandeira do Rio Grande do Sul colada na capa) no bolso a convite do Instituto Goethe. Junto com duas artistas gráficas alemãs, Aisha Franz e Birgit Weyhe, ele faz parte do braço germânico do projeto Osmose. A ideia trouxe os alemães para trocar experiências por um mês no Brasil e enviou, em agosto deste ano, a porto-alegrense Paula Mastroberti e também Amaral, de Teresina, e João Montanaro, de São Paulo, para diferentes cidades da Alemanha. Tudo para que, ao final, se possa ter um panorama ilustrado da vida cotidiana e da própria cena dos quadrinhos dos dois países. O material produzido durante o intercâmbio por cada um deles será editado em um livro.
- Me dei conta que eu não sabia nada do Brasil. A gente espera o estereótipo e não se dá conta de que o país é gigante. As imagens que eu vou levar não são do país como um todo, mas do "Hio Gande do Sul" - diz, apontado para o bloquinho.
Os relatos da aventura pelo Brasil serão pauta do encontro com o quadrinista, nesta sábado, na Sala dos Jacarandás do Memorial do RS, às 17h30. No bate-papo com tradução simultânea também estarão o cartunista Edgar Vasques e a alemã Isabel Kreitz.
Isabel tem traduzido para o português apenas o capítulo que fez para o livro Elvis (8inverso), uma biografia em quadrinhos sobre o Rei do Rock. Apesar da obra ser colorida e feita com caneta, Isabel, na verdade, é conhecida e premiada na Europa por seu traço tão minucioso que faz com que suas graphic novels feitas a lápis, como o relato noir histórico Haarman (ainda não lançado no Brasil), sejam tão realistas quanto pinturas. Muito tímida e reservada, a experiente Isabel, com 18 livros publicados, ressaltou a semelhança dos quadrinistas em todos os lugares, mas com um detalhe para diferir:
- Todo mundo tem aquela cara de nerd básica. Mas é todo mundo tão acolhedor e interessado! Fomos num encontro de cartunistas (a reabertura do bar Tutti Giorni, quarta) e o Santiago (cartunista gaúcho) fez questão absoluta de me enturmar com todo mundo. Acho que nunca recebi tanta atenção num evento.
Já para Mawil, autor de uma ilustração só sobre as impressões da Capital publicada no site do Segundo Caderno na terça-feira que teve centenas de compartilhamentos na internet, o que não vai sair da cabeça mesmo são o fanatismo pela dupla Gre-Nal e o tal do chimarrão.
- Nunca vi isso, numa época em que tudo tem uma versão enlatada ou descartável as pessoas seguem carregando sua térmica e aquele copo (a cuia) para todos os lados. Isso vai estar presente em qualquer história que eu contar sobre o Brasil, com certeza - explica.
Minha relação com Berlim
por Paula Mastroberti
O convite para o projeto Osmose, do Goethe Institut, coincidiu com alguns fatos que me ocorreram este ano: como autora, voltava às origens de quadrinista, depois de quase 20 anos dedicados à literatura e à ilustração. Como recém-doutora, estava pronta para viver outras experiências depois de seis anos envolvida com o meio acadêmico.
Foram 30 dias de imersão solitária na rotina de Berlim. Meus percursos improvisados permitiram descortinar uma cena de produção em artes gráficas diferente das informações que levava comigo quando parti e, por conta disso, estabeleci com este local uma relação muito profunda e particular.
Ao fim do período, voltei ao Brasil carregada de comics alemães e, principalmente, possuída por um sentimento de proximidade que nem as dificuldades da língua conseguiram desfazer: Berlim ofereceu-se, pelo menos para mim, sempre aberta e permeável, pelas vias da cultura e da arte. Gosto de dizer: eu não vivi em Berlim, mas vivi uma Berlim - cidade que me foi emprestada e à qual emprestei meu ser em trânsito.
* A escritora e artista plástica autografa Adormecida: Cem Anos para Sempre (8Inverso) no domingo, às 19h