O comandante da Marinha, almirante Marcos Sampaio Olsen, mostrou-se contra à proposta de inclusão do nome de João Cândido Felisberto, líder da Revolta da Chibata, no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Em uma carta endereçada à presidência da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, Olsen argumentou que tal homenagem seria equivocada, considerando os eventos históricos associados à Revolta da Chibata.
Segundo o jornal O Globo, o projeto de lei foi apresentado pelo deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ) e está sendo debatido na Câmara dos Deputados, onde conta com a relatoria da deputada Benedita da Silva (PT-RJ).
Na carta enviada na segunda-feira (22) e dirigida ao deputado federal Aliel Machado (PV-PR), Olsen destacou que a Revolta da Chibata representou uma página "deplorável" na história nacional, e incluir Cândido ou qualquer outro participante seria uma mensagem equivocada, especialmente para os militares. Ele ressaltou que os castigos físicos nos navios foram reconhecidos como inaceitáveis "e os insurgentes, inclusive, anistiados. Porém, resta notável diferença entre reconhecer um erro e enaltecer um heroísmo infundado" escreveu Olsen.
O comandante enfatizou que a atuação de Cândido na Revolta dos Marinheiros não está alinhada aos valores de heroísmo e patriotismo, e que sua posição no conflito representa um exemplo "reprovável" de conduta. Ele concluiu que "enaltecer passagens afamadas pela subversão, ruptura de preceitos constitucionais organizadores e basilares das Forças Armadas e pelo descomedido emprego da violência de militares contra a vida de civis brasileiros é exaltar atributos morais e profissionais" e que não contribui para a manutenção do verdadeiro Estado Democrático de Direito.
O documento está disponível no site oficial da Marinha e foi lido durante uma sessão da Comissão de Cultura da Câmara de quarta-feira (24). A Marinha do Brasil confirmou ao O Globo que a carta representa o posicionamento da Força.
Quem foi João Cândido?
Nascido em 1880, no Rio Grande do Sul, filho de ex-escravos, João Cândido ingressou na Marinha aos 14 anos. Apesar da abolição da escravatura em 1888, os marinheiros negros continuaram a sofrer com más condições de vida, baixos salários e punições físicas severas.
Principal liderança entre os marujos no início do século passado, Cândido pedia o fim dos castigos cruéis e a melhoria da alimentação e das condições de vida dos marinheiros.
O castigo corporal de marujos tinha sido abolido pelo decreto nº 3 da República, de 16 de novembro de 1889. Mas voltou em abril de 1890, por outro decreto. Recaía sobre os praças (militares abaixo de oficial). Eram homens negros, mestiços, nordestinos e pobres em sua maioria. Alguns eram "recrutados" à força.
Cândido se destacou como timoneiro e recebeu treinamento no Reino Unido para operar navios modernos adquiridos pelo Brasil em 1909.
À medida que a Marinha avançava em seu processo de modernização, a insatisfação entre os marinheiros negros, já submetidos a tratamentos desumanos, crescia ainda mais. Em 1910, após um membro da tripulação de Cândido ser punido com 250 chicotadas, mais de dois mil marinheiros negros se uniram em um motim, liderados por Cândido, conhecido como "Almirante Negro".
Durante o motim, os marinheiros tomaram controle de quatro navios e apontaram 80 canhões em direção à cidade do Rio de Janeiro. Em uma mensagem escrita, direcionada ao então presidente Hermes da Fonseca, eles declararam: "não aceitaremos mais a condição de escravidão na Marinha do Brasil". Então, o governo aboliu as punições com chicotadas e prometeu anistia aos rebeldes, mas muitos foram presos e executados pela Marinha.
Cândido e outras 30 pessoas foram confinados em uma cela pequena, onde as condições eram tão severas que apenas ele e mais um prisioneiro conseguiram sobreviver. O restante da vida do marinheiro foi marcada pela pobreza.
Desde sua morte em 1969, o legado de Cândido tem sido reavaliado. Em 2008, o governo concedeu-lhe anistia póstuma e ergueu uma estátua em sua homenagem na Praça Marechal Âncora, no Rio de Janeiro. O Ministério Público Federal (MPF) exigiu indenização para sua família.
Em março deste ano, o MPF reforçou o pedido de anistia e reparação para Cândido, destacando a perseguição sofrida por ele e os ataques à sua memória.