Peça central das investigações sobre a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) "paralela" no governo Jair Bolsonaro, o programa espião FirstMile foi usado 60.734 vezes nos primeiros anos da gestão do ex-diretor do órgão, Alexandre Ramagem – hoje deputado federal pelo Rio –, com a geração de dados sobre 21.309 geolocalizações de dispositivos móveis de alvos da espionagem investigada na Operação Vigilância Aproximada.
Metade dos acessos à plataforma (30.344) ocorreu durante as eleições 2020, o que foi apontado pela PF como uma "discrepância na distribuição das consultas". No mesmo período, Ramagem imprimiu uma lista de inquéritos eleitorais conduzidos pela Polícia Federal no Rio – reduto da família Bolsonaro, de quem o ex-chefe da Abin é próximo.
As informações sobre a constante visita à máquina de espionagem constam da decisão que abriu a mais recente etapa ostensiva da investigação, a qual fez buscas na casa do vereador no Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho "02" do ex-presidente Jair Bolsonaro e suspeito de integrar o "núcleo político" da organização criminosa que se teria instalado na Abin.
Os investigadores apuram se o parlamentar estaria entre os "principais destinatários e beneficiários das informações produzidas ilegalmente" pela contrainteligência clandestina armada no governo Bolsonaro.
A lista impressa por Ramagem foi identificada pela Controladoria-Geral da União. O documento apresentava o número do inquérito, nome do investigado, cargo político e partido em 20 de fevereiro de 2020. As informações eram sigilosas e vinculadas à Delegacia de Assuntos Institucionais (Delinst), unidade responsável pelas apurações eleitorais na Superintendência Regional da PF no Rio.
Segundo a PF, a lista teria sido impressa "possivelmente para entregar aos destinatários do núcleo político" sob suspeita.
Os investigadores apontam que a conduta de Ramagem dá "concretude à linha de apuração" que aponta a Abin paralela como "potencialmente, uma das células de organização criminosa de maior amplitude, cuja tarefa primordial era realizar a 'contrainteligência' de Estado".
A lista foi citada pelo procurador-geral da República Paulo Gonet para apontar como outros episódios de interferência na Abin ocorreram enquanto Ramagem esteve à frente da agência.
A indicação se deu logo após a citação à principal evidência que colocou a PF no encalço de Carlos Bolsonaro: o fato de ele ter pedido, por meio de sua assessora no gabinete de vereador, à Ramagem "ajuda" relacionada a um inquérito sobre Bolsonaro e seus três filhos.