A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta quinta-feira (25), a Operação Vigilância Aproximada, para investigar suposta organização criminosa que teria se instalado na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Os investigados, segundo a corporação, monitoravam ilegalmente autoridades públicas e outras pessoas, utilizando-se de ferramentas de geolocalização de dispositivos móveis sem autorização judicial.
A operação
Autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a operação é uma continuação das investigações da Operação Última Milha, deflagrada em outubro do ano passado e que visava apurar o suposto uso criminoso da tecnologia de espionagem chamada "FirstMile".
Conforme a decisão, as provas obtidas pela corporação à época indicam que o grupo teria criado uma estrutura paralela na Abin e utilizado ferramentas do Estado para produzir informações para suposto uso político e midiático, “para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal”.
À época, dois servidores da Abin foram presos e a PF informou que a Abin fez 33 mil monitoramentos ilegais durante o governo de Jair Bolsonaro.
Do total, 1,8 mil monitoramentos foram dedicados à espionagem de políticos, jornalistas, advogados, ministros do STF e adversários do ex-presidente. Vinte e um mandados de busca e apreensão foram cumpridos nesta quinta-feira em Brasília (DF), Juiz de Fora (MG), São João Del Rei (MG) e Rio de Janeiro (RJ).
O alvo
Um dos alvos é o ex-diretor da Abin, deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que comandou a agência durante o governo Jair Bolsonaro (PL), entre julho de 2019 e abril de 2022.
Ele é pré-candidato do PL à prefeitura do Rio de Janeiro e teve o apoio de Bolsonaro confirmado em novembro. Segundo a PF, ele teria autorizado investigações paralelas, sem autorização judicial e sem indícios mínimos de materialidade que justificassem as apurações.
O software espião
A investigação foi aberta depois que a PF descobriu que a Abin usou o software FirstMile, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint) para monitorar adversários políticos de Bolsonaro.
O programa não permite o grampo de mensagens e ligações, mas dá acesso à geolocalização em tempo real e a dados pessoais registrados junto a operadoras de telefonia com base na localização de aparelhos que usam as redes 2G, 3G e 4G.
A capacidade de monitoramentos simultâneos do programa ainda é investigada. O sistema espião teria sido usado mais de 60 mil vezes pela Abin entre fevereiro de 2019 e abril de 2021, segundo a PF.
Quem foi espionado e vigiado, segundo a PF
Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, ministros do STF
A investigação localizou anotações e provas que indicam que servidores da Abin tentaram "criar fato desapegado da realidade" para associar parlamentares e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). As notícias falsas circularam em grupos bolsonaristas.
Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, e Joice Hasselmann, ex-deputada federal
A lista dos espionados inclui o ex-deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara no começo do mandato de Bolsonaro. Ele se tornou um desafeto do ex-presidente e aliados em razão de declarações contra medidas do governo.
A ex-deputada Joice Hasselmann, que era aliada de Bolsonaro no início do mandato e que chegou a ser líder do governo no Congresso, também foi alvo de espionagem. Ela rompeu com Bolsonaro após sofrer ataques dos filhos do ex-presidente nas redes sociais.
Segundo a investigação, o monitoramento de Joice e Maia foi feito "a pedido de Ramagem para posterior divulgação apócrifa".
Camilo Santana, ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação
A investigação também flagrou um servidor da Abin "pilotando um drone nas proximidades da residência do então governador do Ceará, Camilo Santana (PT-CE)", sem justificativas técnicas.
Atualmente, Camilo Santana é ministro da Educação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Simone Sibilio, ex-promotora do Caso Marielle Franco
A Polícia Federal também encontrou documentos que indicam que o sistema de inteligência da Abin foi usado indevidamente para monitorar Simone Sibilio, promotora de Justiça do Rio de Janeiro que investigou o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
Os documentos sobre a promotora teriam a mesma identidade visual de relatórios apócrifos produzidos pela "estrutura paralela" que, segundo a PF, teria sido montada na Abin.
Flávio Bolsonaro
A PF afirma que servidores da Abin produziram informações que teriam ajudado na defesa dos filhos de Bolsonaro em investigações criminais. Relatórios da agência teriam sido compartilhados para subsidiar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) na investigação das "rachadinhas" e Jair Renan em inquéritos sobre tráfico de influência, estelionato e lavagem de dinheiro. O senador nega ter sido favorecido.
Contraponto de Flávio Bolsonaro: "É mentira que a Abin tenha me favorecido de alguma forma, em qualquer situação, durante meus 42 anos de vida. Isso é um completo absurdo e mais uma tentativa de criar falsas narrativas para atacar o sobrenome Bolsonaro. Minha vida foi virada do avesso por quase cinco anos e nada foi encontrado, sendo a investigação arquivada pelos tribunais superiores com teses tão somente jurídicas, conforme amplamente divulgado pela grande mídia."
Ataques ao TSE
A Polícia Federal afirma ainda que a estrutura paralela da Abin foi politizada e promoveu "ações de inteligência" para atacar as urnas eletrônicas.
"O evento relacionado aos ataques às urnas, portanto, reforça a realização de ações de inteligência sem os artefatos motivadores, bem como acentuado viés político em desatenção aos fins institucionais da Abin", diz a PF.