Comentários de jornalistas da CNN Brasil e da GloboNews sobre o adiamento da reforma ministerial por parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostram a existência de uma estratégia política do Palácio do Planalto, cujo intuito era manter o foco do noticiário nas investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no caso da joias, e não refletem uma conspiração entre o governo e essas empresas jornalísticas, como sugerem posts nas redes sociais. As publicações investigadas usam trechos recortados e fora de contexto do noticiário para sugerir que o governo federal tem poder para definir o que as emissoras podem transmitir.
Conteúdo investigado
Publicação com trecho de um vídeo da GloboNews com legenda que sugere que um repórter da emissora admite que o governo Lula manda a imprensa focar em denúncias contra o ex-presidente Bolsonaro. Outro post traz corte do programa Bastidor 360, da CNN Brasil, e sugere que o veículo “admitiu” que não quer “atrapalhar” o governo de Lula ao não noticiar as reformas ministeriais da atual gestão.
Onde foi publicado
X (antigo Twitter).
Contextualizando
As postagens tiram de contexto trechos de telejornais da CNN e da GloboNews. Na realidade, o que os jornalistas em questão relataram era uma estratégia política do governo Lula de não se pronunciar ou anunciar as reformas ministeriais devido à repercussão sobre o caso das joias recebidas pelo ex-presidente, opositor derrotado por Lula nas urnas. Em ambos os casos, os repórteres deixam claro em suas falas que se trata de uma movimentação política de integrantes do governo para não dividir o foco do noticiário e mantê-lo nos desdobramentos das investigações contra Bolsonaro.
No programa Jornal das Dez, da GloboNews, o repórter Guilherme Balza afirma em diversos trechos que o “discurso” é do Palácio do Planalto, em menção à atual gestão. Já no caso da CNN, no programa Bastidor 360, a repórter Raquel Landim afirma que o adiamento das reformas ministeriais faz parte da estratégia do governo Lula para não enfraquecer a cobertura sobre o caso das joias.
Desde abril deste ano, a Polícia Federal investiga Bolsonaro, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, além do almirante e ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, o contra-almirante José Roberto Bueno Júnior, o coronel da reserva Marcelo Costa Câmara, o primeiro tenente Jairo Moreira da Silva, o tenente Marcos André Soeiro e os segundo-tenentes Osmar Crivelatti e Cleiton Henrique Holzschuk, por supostamente “desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior”.
A conclusão consta na decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes para autorizar operação dentro do caso. Enquanto a investigação segue tendo novos acontecimentos, Lula vem adiando trocar titulares dos ministérios, o que deve acontecer em breve, para acomodar o Progressistas (PP) e o Republicanos.
Como o vídeo pode ser interpretado fora do contexto original
Tirados de contexto, os trechos de falas nos programas jornalísticos publicados nas redes sociais podem enganar ao utilizar uma parte da explicação dos repórteres de que a estratégia do atual governo federal é suspender os anúncios das reformas ministeriais.
Tais postagens se utilizam de parte do vídeo para afirmar que as emissoras e os veículos de comunicação evitam falar sobre o assunto para focar nas supostas ações de compras e vendas de jóias, ligadas ao governo de Bolsonaro.
A utilização do trecho, junto ao comentário dos autores da postagem, sugere que a ação foi determinada pelo executivo federal e aceita pelos veículos. Com isso, a publicação dá a entender que “o governo manda na Globo e na CNN”.
O que diz o responsável pela publicação
O Comprova entrou em contato com os autores das postagens, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
O que dizem as reportagens
No Jornal das Dez, da GloboNews, em 18 de agosto de 2023, a partir dos 22 minutos, é possível acompanhar o repórter Guilherme Balza explicando que “o discurso do Palácio do Planalto” seria para adiar a divulgação dos novos ministros da gestão de Lula. O trecho publicado tira o contexto da fala e deixa de fora a explicação do jornalista de que as ações são referentes aos agentes políticos do governo.
A fala do repórter é uma resposta a questionamento do apresentador Nilson Klava, que o perguntou sobre a repercussão do depoimento do hacker Walter Delgatti Neto à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, que apura a invasão aos prédios dos Três Poderes, e da quebra de sigilo bancário do ex-presidente e da ex-primeira-dama no caso das joias. Klava indaga o repórter sobre as repercussões no Congresso e no Palácio do Planalto.
— Tem sempre, quando aparecem essas investigações, quando o foco está nas investigações, um debate que isso acaba tirando foco das ações do governo, da agenda do governo do presidente Lula e, em outros momentos, isso causou um certo incômodo. Dessa vez, Nilson, dada a gravidade do que está acontecendo, o discurso ali no Palácio do Planalto é outro. Eles querem que o foco fique mesmo nessas denúncias que estão aparecendo — disse.
Logo em seguida, o repórter afirma ter questionado um ministro sobre o tema da reforma ministerial, como aponta o trecho divulgado. — Inclusive, pela manhã, mandei mensagem para o ministro para perguntar sobre outro assunto, falar sobre reforma ministerial, se teria anúncio de ministro novo e ele disse ‘nada disso, nem hoje nem nos próximos dias, porque vocês têm que ficar focados aí em Cid, em Delgatti —.
No caso da CNN, também é retirado o contexto e as demais explicações sobre o tema, que apareceram na transmissão da emissora. A fala ocorreu no dia 22 de agosto no programa Bastidor 360, disponível no YouTube, a partir dos 41 minutos e 22 segundos.
— O governo federal colocou o pé no freio para nomeação de novos ministros para não tirar o foco do escândalo das joias, que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro. E a gente está falando desde início do jornal, um assunto importantíssimo de relevância para sociedade brasileira. Agora, tudo na política tem estratégia, o núcleo político da gestão Lula preferiu esperar um pouco mais — disse a jornalista Raquel Landim.
Ela segue ressaltando que o governo está tentando atrair partidos aliados. — Aguardar a volta do presidente, que está na África do Sul para reunião dos Brics, para evitar mudar o foco do noticiário. O governo está envolvido em negociações muito complicadas para atrair o PP e o Republicanos para a base do governo, e conseguir mais votos. Já tem até ministro escolhido, os nomes estão escolhidos, resta saber para qual ministério. A principal divergência ainda é com o PP de Arthur Lira [presidente da Câmara dos Deputados]— explicou. Assim como o jornalista da GloboNews, os repórteres afirmam ter conversado com um ministro para saber sobre a reforma ministerial.
Caso das joias
Em março, conforme reportagem do Estadão, o governo Bolsonaro mandou trazer de forma ilegal para o Brasil um conjunto de joias avaliado em 3 milhões de euros (R$ 16,5 milhões) para a então primeira-dama, Michelle.
O caso evoluiu e passou a ser investigado pela Polícia Federal. O ministro do STF Alexandre de Moraes afirmou, na decisão que embasou a operação sobre o caso, que, de acordo com dados analisados pela PF, há a “possibilidade” de que o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica do Gabinete Pessoal da Presidência da República tenha “sido utilizado para desviar, para o acervo privado do ex-presidente da República, presentes de alto valor, mediante determinação de Jair Bolsonaro”. A investigação indica que o material deveria ser vendido e o dinheiro repassado em espécie para o ex-presidente. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, teria levado para os Estados Unidos presentes recebidos por Bolsonaro enquanto ocupava a Presidência com a intenção de vendê-los. O transporte teria sido no mesmo avião presidencial em que o ex-presidente viajou para Orlando, em 30 de dezembro do ano passado, na véspera do fim de seu mandato.
A investigação “identificou que esse modus operandi foi utilizado para retirar do país pelo menos quatro conjuntos de bens recebidos pelo ex-Presidente da República em viagens internacionais, na condição de chefe de Estado”.
Reforma ministerial
Desde o fim da votação da reforma tributária, a imprensa tem noticiado que o governo Lula irá incorporar entre seus ministros filiados ao Republicanos e ao Progressistas. A informação sobre a mudança foi confirmada por deputados, outros ministros e até pelo presidente. Devem virar ministros os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Ainda não há, no entanto, a definição de quais serão as pastas que passarão por mudanças. O ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência, Paulo Pimenta, afirmou em 4 de setembro que a reforma ministerial ia ser concluída “nas próximas horas” e que PP e Republicanos estarão integrados à base do governo a partir das mudanças na Esplanada dos Ministérios. Em entrevista ao telejornal GloboNews Mais, da GloboNews, Pimenta disse que os dois partidos comporão a base porque tomaram “a iniciativa de procurar o governo e manifestar disposição e interesse”.
Alcance da publicação
O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 4 de setembro, as postagens direcionadas à Rede Globo contabilizaram 69,4 mil visualizações, além de 4,9 mil curtidas e 1,5 mil compartilhamentos; 98,4 mil visualizações, 7,2 mil curtidas e 2,6 mil compartilhamentos. Já a publicação referente à CNN soma 148, 4 mil visualizações; 15, 4 mil curtidas e 5,3 mil compartilhamentos.
Como verificamos
O Comprova procurou a íntegra dos programas nos canais oficiais das emissoras (Globoplay e CNN no YouTube). A busca foi feita com base na data e horário que constam nas barras de texto horizontais que aparecem nas postagens, além da captura de tela que aparece em um dos conteúdos compartilhados onde há a data da publicação. Em seguida, entrou em contato com as emissoras citadas nas publicações e com os autores das postagens.
Por que investigamos
O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para publicações que obtiveram maior alcance e engajamento e que induzem a interpretações equivocadas. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema
Recentemente, o Comprova mostrou que é enganosa a comparação feita sobre as contas públicas do último ano do governo de Bolsonaro e do mês de maio do governo Lula. Também mostrou que o petista se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com “feiticeiro”.