Por sete votos a quatro, o plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na segunda- feira (21), revogar a regra que proibia a atuação dos juízes em causas patrocinadas por advogados que trabalhem no mesmo escritório de um cônjuge, companheiro ou parente de até terceiro grau do magistrado.
A decisão atendeu ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). No entanto, os juízes brasileiros continuam proibidos de julgar causas em que algum parente seu seja advogado, prática que é vedada pelo Código de Processo Civil (CPC).
O inciso VIII do artigo 144 do CPC, previsto na Lei 13.105, de 16 de março de 2015 e tornado inconstitucional pelo Supremo, vedava a atuação do juiz em ações "em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório".
A definição do Supremo, no entanto, pode ter deixado brechas judiciais, antes suprimidas pelo inciso, segundo o doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Direito do Insper, Luiz Fernando Esteves.
O professor aponta que em algumas situações podem ocorrer interpretações múltiplas quanto ao proprietário do escritório que, sendo cônjuge, poderia ser beneficiado, ou não, direta ou indiretamente da ação. Na avaliação dele, os votos dos ministros Gilmar Mendes e Cristiano Zanin, favoráveis ao fim do impedimento, basearam-se na dificuldade de verificação do parentesco e não em possíveis brechas interpretativas.
Esteves aponta que a decisão pode reduzir a garantia de imparcialidade do processo e discorda da inconstitucionalidade do inciso.
— A minha conclusão é que o resultado do julgamento representa uma diminuição da garantia de imparcialidade. A garantia da imparcialidade fez com que os representantes eleitos tenham pensado nessa causa de impedimento. Alguns votos fizeram referência de que essa cláusula não teria impacto na garantia de imparcialidade, mas eu discordo dos ministros — avalia.
Argumentos
Conforme o presidente da AMB, Frederico Mendes Júnior, se um familiar do juiz for dono de um escritório - beneficiário direto dos honorários -, os advogados pertencentes a este escritório não poderão defender seus clientes nesta vara.
— O juiz continua proibido de julgar processos movidos por parentes, ou por escritórios de parentes, mesmo quando estes não participam da ação. Em outras palavras: se o escritório do parente do magistrado tem alguma vinculação com a causa, há o impedimento. Agora, se o parente do juiz é advogado da parte em outro processo, que está sob a alçada de outro magistrado, o impedimento deixa de existir— resume.
A justificativa da AMB, segundo ele, foi que a norma legal imporia "uma obrigação impossível de ser cumprida, porque o juiz não tem como saber se a parte do processo é cliente de um parente seu em outra ação movida na Justiça."
— Como não é saudável que leis inexequíveis permaneçam em vigor, sobretudo quando podem acarretar consequências negativas para o Sistema de Justiça, a AMB recorreu ao STF — explica.
Segundo o presidente, se o familiar do juiz for apenas funcionário do mesmo escritório do representante de uma das partes, mesmo atuando em outra área ou localidade, a nova diretriz defendida pela AMB manteria o impedimento.
— O magistrado só pode atuar na causa de um cliente de parente se essa causa em específico for movida por advogado de outro escritório, independentemente da posição ocupada por seu parente na banca — afirma.