Principal líder de massas da direita brasileira, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) terá seu futuro selado a partir de quinta-feira (22), em Brasília. Sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) irão julgar o primeiro dos 16 processos que podem tornar Bolsonaro inelegível.
Seja qual for o resultado, Bolsonaro pretende continuar atuando politicamente. Ele é esperado em Porto Alegre nesta quinta e na sexta-feira (23) participa de um ato partidário na Assembleia Legislativa.
Ajuizada pelo PDT, a ação que pode afastar Bolsonaro das urnas por oito anos apura as responsabilidades do ex-presidente em reunião realizada no Palácio da Alvorada em 18 de julho do ano passado. Na ocasião, diante de vários embaixadores estrangeiros, Bolsonaro fez uma série de ataques ao sistema eleitoral brasileiro e às autoridades encarregadas de conduzir e fiscalizar as eleições.
Sem apresentar provas, o então candidato à reeleição disse que as urnas eletrônicas eram inauditáveis, que a lisura da eleição de 2022 estava comprometida e que teria sido vítima de fraudes no pleito anterior, em 2018, quando fora eleito presidente. O evento foi transmitido ao vivo pela TV Brasil, emissora estatal, e depois exibido nas redes sociais de Bolsonaro.
Para o PDT, Bolsonaro e seu então candidato a vice, Walter Braga Netto, incorreram em abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação e conduta vedada em disputa eleitoral, sobretudo por se valerem de bens da administração pública na disseminação das supostas denúncias.
O Ministério Público Eleitoral encampou parte das alegações, pedindo a inelegibilidade de Bolsonaro, mas a absolvição de Braga Netto. No entendimento do vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, Bolsonaro agiu com intenção de "desacreditar a legitimidade do sistema de votação, veiculando noções que já foram demonstradas como falsas".
A defesa de Bolsonaro sustenta a inocência do então presidente, de que o evento não era um ato político, mas "de governo", e que uma leitura imparcial e serena do discurso revelaria "falas permeadas de conteúdos técnicos, que buscam debater um tema importante, no afã de contrapor ideias e dissipar dúvidas sobre a transparência do processo eleitoral".
"Já estamos acostumados com injustiças"
Nos círculos políticos e jurídicos de Brasília, a condenação de Bolsonaro é praticamente dada como certa. Durante evento do PL na semana passada, o próprio Bolsonaro se mostrou pessimista quanto ao desfecho do julgamento.
— Já sabemos como é a Justiça aqui no Brasil. Então, a gente se prepara para que, aconteça o que acontecer... a gente se prepara com muita altivez aí para buscar alternativas — resignou-se.
Na cúpula do PL, o sentimento é semelhante. Bolsonaro foi aconselhado a submergir e evitar ataques ao Judiciário.
O presidente do partido, Valdemar Costa Neto, já tem uma estratégia caso a condenação se confirme. A ideia é apresentar Bolsonaro como um perseguido pela Justiça, reafirmando a postura de um político outsider que luta contra o sistema, conforme o figurino encarnado nas eleições de 2018. Ao mesmo tempo, Bolsonaro circularia pelo país, como cabo eleitoral nas eleições de 2024 e 2026.
À frente do PL no Rio Grande do Sul, o deputado Giovani Cherini admite as chances escassas de uma vitória no TSE e confirma o projeto de usar o espólio eleitoral de Bolsonaro para eleger aliados nas próximas eleições.
— Já estamos acostumados com injustiças. O amanhecer sempre requer uma noite escura. Temos que encarar: o que não tem solução, solucionado está. Mas a direita está organizada, o partido está preparado e Bolsonaro vai continuar a vida, andando pelo Brasil, filiando prefeitos e candidatos — diz Cherini.
O papel de Bolsonaro nos próximos anos
Bolsonaro é esperado em Porto Alegre nesta quinta-feira, dia do julgamento, para visita à Transposul, feira de transporte e logística realizada na Fiergs. Na manhã seguinte, ele participa de encontro do PL na Assembleia, com filiação de pré-candidatos seguida de churrasco.
Cherini diz que o objetivo do partido é lançar candidato próprio em quase todos os 375 municípios gaúchos onde Bolsonaro venceu em 2022. Atalmente com cerca de 20 prefeitos e cem vereadores, o PL quer quintuplicar seu mapa de poder no Estado.
Pioneira em estudos acadêmicos da nova direita brasileira, a cientista política e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Helcimara Telles avalia que ainda é cedo para se projetar o papel que Bolsonaro terá no cenário político nos próximos anos. Uma eventual absolvição, afirma Helcimara, não garante tranquilidade, já que há outras ações eleitorais e até mesmo criminais contra o ex-presidente. Já uma condenação, acrescida do discurso de perseguido político, tende a radicalizar os seguidores mais fiéis, afastando os simpatizantes moderados.
— Os eleitores menos radicais, atraídos mais pelo antipetismo do que pelo próprio bolsonarismo, tendem a procurar um sucessor. Esse espólio eleitoral de Bolsonaro será disputado na direita por nomes como Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo) — pontua Helcimara.
Todavia, a pesquisadora alerta para o curto espaço em que os ciclos políticos têm se renovado no país. Do ocaso do PT, com o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, ao retorno ao poder com o terceiro mandato de Lula, em 2023, passaram-se sete anos — apenas um ano a menos do período de inelegibilidade em caso de condenação de Bolsonaro.
"Bolsonaro não é insubstituível"
Na esquerda, os partidos tentam se organizar para resistir a uma nova investida eleitoral das forças que governaram o país até o ano passado, com ou sem a presença de Bolsonaro nas urnas, apostando em nomes competitivos nas principais capitais.
O deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ) acredita que boa parte do eleitorado conservador já prefere outros nomes, mas sustenta que o bolsonarismo é maior do que ex-presidente.
— Bolsonaro não é insubstituível. Ele até pode acabar como figura política, mas o bolsonarismo continua vivo — salienta.
COMO SERÁ O JULGAMENTO NO TSE
- Data: 22 de junho
- Horário: 9h
- Local: plenário do TSE, em Brasília
- Duração: não há previsão de término; o TSE reservou mais duas sessões, nos dias 27 (19h) e 29 (9h)
Autor da ação: PDT
Réus: Jair Bolsonaro e seu então candidato a vice, Walter Braga Netto
Acusação: abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação e conduta vedada por usar bens da administração pública em benefício da campanha eleitoral.
Assunto: disseminação de fake news e ataques ao sistema eleitoral durante reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em julho de 2022.
Quem julga: o pleno do TSE, composto pelos ministros do STJ Benedito Gonçalves e Raul Araújo, os advogados Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares, e os ministros do STF Cármen Lúcia, Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Pedido de vista: qualquer ministro pode pedir vista do processo; nesse caso, o prazo de devolução dos autos é de 30 dias úteis, prorrogáveis por mais 30.
Recursos: o julgamento é terminativo e não cabe efeito suspensivo. Ou seja, se a decisão for por condenação ou absolvição, os efeitos são imediatos. Cabe embargos de declaração ao próprio TSE, para esclarecimento de eventual omissão, contradição ou obscuridade na decisão. O único recurso possível e capaz de mudar a decisão é o Recurso Extraordinário (RE), que precisa ser admitido pelo TSE antes de ser enviado ao STF, onde será analisada eventual afronta à Constituição durante o julgamento.
Penas: abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação têm por pena inelegibilidade por oito anos. A conduta vedada é punida com multa que vai de R$ 5.320,50 a R$ 106.410,00.
Eleições: se Bolsonaro ficar inelegível, ficará de fora das eleições de 2024, 2026 e 2028, mas poderá voltar a concorrer nas eleições nacionais de 2030. Isso porque duas súmulas do TSE determinam que o prazo de oito anos começa a contar na data da eleição em que foi cometido o ilícito, no caso 2 de outubro de 2022. Como em 2030 a eleição ocorrerá em 6 de outubro, ele estaria apto.
A DINÂMICA DO JULGAMENTO
- Relator do caso, o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, começa o julgamento lendo um resumo da ação, com diligências, depoimentos, perícias e demais providências tomadas na etapa de instrução processual.
- Na sequência, falam o advogado de acusação, Walber Agra, representante do PDT. Depois, fala o advogado de defesa, Tarcísio Vieira Carvalho Neto. Cada um tem 15 minutos para a sustentação oral.
- Em seguida, a palavra é do representante do Ministério Público Eleitoral, o vice-procurador-geral eleitoral, Paulo Gonet, para que emita o parecer do órgão sobre a ação. Gonet, contudo, não costuma fazer sustentações orais.
- Ao final das sustentações, Benedito Gonçalves retoma a palavra e emite seu voto.
- Na sequência, votam os demais ministros, na seguinte ordem: Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Nunes Marques e, por último, o presidente do tribunal, Alexandre de Moraes.