Apesar de uma promessa feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Exército decidiu manter em segredo o processo que apurou a participação do general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em um ato político, em maio de 2021, sem autorização do comando. No governo de Jair Bolsonaro, foi imposto sigilo de cem anos ao caso, sob alegação de que os documentos tratam apenas da vida privada do general.
Lula já determinou à Controladoria-Geral da União (CGU) que revise os sigilos irregularmente determinados pelo antecessor. Entre os casos, está o de Pazuello.
O jornal O Estado de S. Paulo apresentou ao Exército um pedido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI) no início de dezembro de 2022, com Pazuello já na reserva e eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro. Em 2021, durante o governo Bolsonaro, foram feitas outras tentativas para obter acesso aos documentos, todas negadas.
O novo requerimento foi rejeitado duas vezes em um intervalo de menos de 15 dias. No dia 26 de dezembro, foi feito um terceiro recurso à Força militar. O caso teria de ser examinado pelo comandante do Exército. Quatro dias depois, tomou posse no posto o general Júlio Cesar de Arruda, escolhido pela gestão petista para o cargo e que assumiu antes mesmo de Lula.
Na segunda-feira (2), já com o petista no primeiro dia útil de governo, o comando analisou o caso e manteve a decisão do sigilo. A resposta foi assinada pelo coronel Emílio Ribeiro, subchefe do gabinete do comandante. O oficial se limitou a dizer que ratificava as decisões anteriores e que elas estavam "em conformidade" com a LAI.
Manifestação no Rio
A manifestação em questão ocorreu em maio de 2021, no Aterro do Flamengo, na capital fluminense, onde Pazuello esteve ao lado de Jair Bolsonaro. O ato serviu para o então presidente criticar o uso de máscaras e ainda dizer que "seu Exército" jamais iria obrigar as pessoas a ficar em casa durante a pandemia da covid-19.
Como o regulamento do Exército proíbe a participação de militares em atos políticos, foi instaurado um procedimento disciplinar. O general apresentou defesa, o caso foi arquivado e o processo tornou-se sigiloso.
Pazuello virou ministro da Saúde em maio de 2020, depois de uma tentativa do governo de colocar profissionais médicos na função. No cargo, Pazuello seguiu à risca as recomendações de Bolsonaro. Além de editar documento facilitando o uso de cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz para tratar a covid-19, a gestão do general interrompeu as negociações do governo federal com a gestão de João Doria, que se preparava para fabricar a primeira vacina no Brasil.
Em uma live ao lado de Bolsonaro realizada em outubro de 2020, Pazuello resumiu a linha de atuação naquele momento, afirmando que "um mandava e o outro obedecia". A gestão do general na Saúde e a atuação do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus foram alvo de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) do Senado, e Pazuello terminou entre os indiciados por crimes cometidos durante a pandemia.
Ao longo da última campanha eleitoral, Lula confrontou Bolsonaro sobre os sigilos decretados durante o governo, citando o caso de Pazuello. O tema foi levado a debates, ganhou espaço nas promessas de campanha do petista e apareceu até mesmo no discurso de posse.
— A partir de hoje, a Lei de Acesso voltará a ser cumprida, o Portal da Transparência voltará a cumprir seu papel, os controles republicanos voltarão a ser exercidos para defender o interesse público — disse Lula.
No Diário Oficial da União de segunda-feira (2), foi publicado um despacho presidencial dando prazo de 30 dias para a CGU rever os sigilos de Bolsonaro. O texto afirma que foi feito levantamento de abuso na alegação de segredo. Segundo integrantes do órgão, o caso de Pazuello pode ser julgado antes do prazo.