Economista integrante da equipe de transição do próximo governo federal na área de planejamento, o gaúcho Marcio Pochmann falou ao Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira (5), sobre orçamento e prioridades para a gestão do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2023. Na esteira das dicussões atuais sobre teto de gastos, afirmou que a regra que limita as despezas do governo federal para o ano seguinte à inflação "se tornou uma irrealidade e precisa ser alterada".
— Ao meu modo de ver, não funcionou até agora. O próprio governo Temer o furou, o próprio governo Bolsonaro, em mais de R$ 800 bilhões, e agora há uma pressão para novamente furá-lo por conta das dificuldades que está se tendo. Então, o teto de gastos, da maneira que foi constituído, se tornou uma irrealidade. Ele precisa ser alterado. As condições para que se garanta uma situação fiscal adequada podem ser resolvidas no âmbito abaixo da Constituição. Não precisa estar na Constituição, penso eu. Desde que haja responsabilidade por parte do poder Legislativo e do Executivo — discorreu Pochmann, que é presidente do Instituto Lula e professor universitário.
Para o economista, contudo, tratar de temas como teto de gastos e inflação, embora seja necessário, é medida a curto prazo, que faz parte do que ele considera "uma gestão da política econômica e social que vem sendo feita nos últimos 30 anos".
— É é absolutamente necessário, mas por si só, não nos garante o horizonte pelo qual o país precisa caminhar. Especialmente quando estamos diante de questões absolutamente novas, como o deslocamento do centro dinâmico do mundo do ocidente para o oriente, como diante da emergência climática que nos coloca em um novo regime de clima. E por fim, o avanço da era digital que transforma a vida de cada um de nós. Por isso, que me parece muito importante retomar o planejamento, ter um olhar de médio e longo prazo, mas precisa ser construído junto com a sociedade de forma participativa, interagindo como se foi feito em outros momentos no país.
Com críticas à falta de planejamento dos últimos governos, Pochmann afirmou que "a questão central no Brasil não é econômica, ela é política" e garantiu que o país possui recursos e fundamentos econômicos estabelecidos para avançar.
— O Brasil detém recursos, dinheiro, capital suficiente para na verdade conduzir um horizonte diferente do que temos hoje (...). Temos dinheiro disponível, temos para onde poderia ser aplicado esse recurso com rentabilidade adequada, taxa de lucro adequada, temos mão de obra e tecnologia. Por que que esses fundamentos econômicos não resultam, eu diria assim, no crescimento econômico, no desenvolvimento? Por uma razão política, não tem previsibilidade — reforçou o economista, que exemplificou:
— Todos que têm dinheiro disponível no banco ficam em dúvida se vale a pena tirar o recurso do sistema financeiro e colocar na abertura de uma fábrica, de uma nova empresa. Porque não sabe o dia de amanhã, as dúvidas são muitas. Nesse sentido, o presidente Lula, na sua campanha, apontou que o Brasil precisa ter previsibilidade, o papel do governo é oferecer um horizonte de médio e longo prazo, para aqueles que querem investir, querem de certa forma ganhar dinheiro aplicando produtivamente, isso seria possível no Brasil.
Temos dinheiro disponível, temos para onde poderia ser aplicado esse recurso com rentabilidade adequada, taxa de lucro adequada, temos mão de obra e tecnologia. Por que que esses fundamentos econômicos não resultam, eu diria assim, no crescimento econômico, no desenvolvimento? Por uma razão política, não tem previsibilidade.
MARCIO POSCHMANN
Economista integrante da equipe de transição do novo governo
Pochmann ainda falou sobre o papel do Estado como parte da solução para os problemas do país e sobre a necessidade do que acredita ser uma mudança de visão a respeito desse papel no próximo governo:
— Ele não é a totalidade da solução, tão pouco é o problema que o país tinha. Basicamente era isso que movia, digamos, a administração atual que está se encerrando, o Estado como problema, e por isso nós infelizmente verificamos um certo desmonte do Estado brasileiro. Estamos agora no final do governo, não há recursos inclusive para a questão das vacinas, as Farmácias Populares estão sem estoques de remédios. Não se sabe se haverá recursos para o pagamento de aposentados e etc. Então, o Estado tem que ser visto como parte da solução.