A Comissão Mista de Orçamento (CMO) da Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (23) um projeto que autoriza uma série de manobras no caixa do governo federal para adiar o pagamento de despesas obrigatórias e liberar verbas do orçamento secreto no fim deste ano. Hoje, estão bloqueados do orçamento secreto R$ 7,7 bilhões.
A proposta promove um reengenharia no orçamento da União com uma série de artifícios criticados por técnicos do Ministério da Economia e do Tribunal de Contas da União (TCU). O texto agora dependerá de aprovação do plenário do Congresso. Não há previsão para a votação final.
Entre as manobras está a autorização para o governo deixar de pagar a totalidade de despesas obrigatórias, incluindo R$ 3,9 bilhões da Lei Paulo Gustavo, para destravar recursos das emendas do orçamento secreto. Na prática, o governo poderá usar o saldo de despesas obrigatórias não pagas para compensar outros gastos.
Além disso, o projeto autoriza o governo federal a mudar a destinação final de recursos de obras e outros repasses oriundos de emendas parlamentares que tiveram contratos assinados em 2019 e 2020. Assim, o governo poderá tirar recursos já empenhados (reservados e prontos para pagamento) de uma cidade e colocar em outra, conforme o interesse de aliados políticos.
Inicialmente, o projeto tratava apenas de uma autorização para adiar o prazo de envio de projetos que abrem créditos adicionais no orçamento da União, um remanejamento comum no fim do ano mas que não compromete despesas obrigatórias por lei.
O texto foi ampliado por meio de relatório apresentado pelo deputado AJ Albuquerque (PP-CE), aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), com a concordância do governo e articulação de líderes do Centrão. O projeto foi aprovado de forma simbólica, com votos contrários declarados verbalmente apenas pelos líderes do Novo e do PT.
Impasse
A proposta entrou na pauta da comissão na terça-feira (22) mas foi adiada após repercussão negativa. O PT e aliados do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva se manifestaram contra o texto, mas decidiram não criar novos obstáculos para a aprovação em um troca de um ambiente favorável para a negociação da PEC da Transição.
Com a PEC, Lula quer uma licença para gastar aproximadamente R$ 200 bilhões fora do teto de gastos com o programa Bolsa Família e outras despesas de interesse do futuro governo. A equipe de transição enfrenta um impasse para aprovar a PEC. Líderes do Congresso exigem a limitação da licença e a negociação de emendas em troca da aprovação.
Nos bastidores, parlamentares do PT alegaram que seria "muito delicado" criar um impasse para a aprovação do projeto no momento em que o novo governo quer uma flexibilização no teto de gastos públicos para começar o mandato em 2023.
O líder do PT na Comissão Mista de Orçamento, deputado Enio Verri (PT-PR), se pronunciou contra o projeto após a aprovação simbólica. A bancada, no entanto, não apresentou nenhum recurso ou obstrução para tentar derrubar o projeto. Apenas um questionamento formal foi apresentado pelo Novo, mas foi rejeitado pelo presidente da comissão, deputado Celso Sabino (União-PA).
— Qualquer mudança que trata do teto de gastos tem que ser feita por uma Proposta de Emenda à Constituição, e não de uma maneira como está sendo colocada aqui — disse Enio Verri durante a reunião da comissão, criticando a manobra para adiar o pagamento da Lei Paulo Gustavo para o ano que vem. — Eu acho absolutamente injusto transferir uma responsabilidade do governo atual para o governo Lula.
Com o projeto, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá não pagar todos os recursos da Lei Paulo Gustavo, sob o argumento de que não há tempo hábil para o repasse, e usar esse espaço no Orçamento para pagar emendas e outros recursos de interesse dos parlamentares.
— A gente está indo de novo para o caminho do jeitinho, para o caminho do pode tudo e para o caminho da contabilidade criativa — disse a líder do Novo na comissão, deputada Adriana Ventura (SP).
O argumento dos líderes do Centrão para aprovar a proposta é impedir a paralisação de obras e destravar os recursos bloqueados pelo governo federal para cumprir o teto de gastos, incluindo as emendas do orçamento secreto.
O que é o orçamento secreto
- Emendas de relator do orçamento ficaram conhecidas recentemente como orçamento secreto por permitirem que parlamentares destinem recursos dos cofres da União sem que haja transparência para onde vão. Ao não especificar nomes e destino, pode facilitar a corrupção.
- O tema ganhou notoriedade ao ser atrelado a suspeitas de fraudes em compras de caminhão de lixo e de licitação bilionária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de ônibus escolares.
- Em novembro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a suspender os repasses, mas voltou atrás e pediu mais transparência na execução das verbas.
- O mecanismo pode ajudar o presidente da República a negociar com as bancadas do Congresso em troca de apoio político em votações no Legislativo que sejam de interesse do governo federal.