As cerimônias realizadas nas principais cidades brasileiras destinadas a celebrar os 200 anos da Independência nesta quarta-feira (7) apresentaram os tradicionais desfiles cívicos, mas também foram marcadas pela disputa eleitoral em andamento.
Os principais eventos vinculados ao 7 de Setembro, a começar pelos festejos oficiais em Brasília, reuniram sobretudo apoiadores do atual presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Houve também manifestações paralelas, como o Grito dos Excluídos.
Em Brasília, o desfile contou com 3,1 mil militares, alunos de escolas do Distrito Federal e apresentação da Esquadrilha da Fumaça sobre a Esplanada dos Ministérios, onde estavam os presidentes de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, de Cabo Verde, José Maria Neves, e de Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira, do Senado, Rodrigo Pacheco, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, decidiram se ausentar.
O ambiente eleitoral ganhou força logo depois da parada cívico-militar, ainda durante a manhã. Em seu discurso de pouco mais de 10 minutos, Bolsonaro optou por não fazer referência a termos como independência ou bicentenário. Em vez disso, fez elogio à liberdade, defendeu seu governo em áreas como a economia e, sem citar nomes, fez críticas alusivas ao PT:
— Sabemos que temos pela frente uma luta do bem contra o mal. O mal que perdurou por 14 anos em nosso país, que quase quebrou a nossa pátria e que agora deseja voltar à cena do crime. Não voltarão (...). A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro — discursou, se referindo à data do primeiro turno das eleições presidenciais.
No mesmo pronunciamento, sugeriu aos homens solteiros que procurem “princesas” para se casar e serem mais felizes, recomendou aos eleitores que comparassem as primeiras-damas como outro fator para orientar seus votos, e repetiu por cinco vezes, ao microfone, o coro de “imbrochável” que ouviu de apoiadores na plateia.
O presidente voltou a se referir ao STF, um de seus principais alvos ao longo dos últimos anos, mas de forma mais velada:
— Muito feliz em ter ajudado chegar até vocês a verdade. Ter mostrado para vocês que o conhecimento também liberta. Hoje todos sabem quem é o Poder Executivo. Hoje todos sabem o que é a Câmara dos Deputados. Todos sabem o que é o Senado Federal. E também todos sabemos o que é o Supremo Tribunal Federal.
Bolsonaro citou fatos históricos, como o golpe militar de 1964 e sua própria eleição, para dizer que a "história pode se repetir":
— Quero dizer que o brasileiro passou por momentos difíceis, a história nos mostra. 22 (revolta tenentista), 35 (insurreição comunista), 64 (golpe militar), 16 (impeachment de Dilma Rousseff), 18 (eleição do próprio Bolsonaro) e, agora, 22 (eleições atuais). A história pode repetir.
O enredo foi o mesmo no Rio de Janeiro, para onde o presidente seguiu à tarde. No aspecto festivo, a cidade recebeu apresentações de bandas marciais e contou com um “tributo cívico-militar” com show aéreo. Na esfera política, Bolsonaro realizou uma motociata e, na sequência, fez um discurso a um público formado por apoiadores de sua candidatura semelhante ao que já havia pronunciado em Brasília horas antes.
O presidente atacou seu principal oponente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), primeiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, a quem chamou de “quadrilheiro”, e chegou a defender a supressão da esquerda:
— Esse tipo de gente tem de ser extirpada da vida pública.
O comando da campanha de Lula informou ainda durante a tarde que irá recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob alegação de abuso de poder econômico e político por parte de Bolsonaro.
São Paulo também reuniu majoritariamente apoiadores do presidente na programação de 7 de Setembro realizada na Avenida Paulista. Em Porto Alegre, após desfile na Avenida Beira-Rio, complementado por saltos de paraquedistas sobre o Guaíba, a militância favorável ao presidente se reuniu no Parcão. Em pontos do Rio e de São Paulo, foram vistas faixas pedindo a destituição de ministros do STF e uma intervenção militar, o que é inconstitucional. Na capital gaúcha, um carro de som trazia a inscrição “Supremo é o povo”.
Atividades paralelas reuniram oposição
Adversários de Bolsonaro se concentraram em atividades paralelas, como o chamado Grito dos Excluídos, organizado por movimentos sociais, partidos de esquerda e centrais sindicais em diferentes cidades do país. Em Porto Alegre, o ato foi realizado no bairro Partenon, na Zona Leste.
Nessas manifestações, os participantes fizeram protestos contra a miséria, o racismo, e exigiram melhores condições de saúde, educação, trabalho e moradia. Em São Paulo, a mobilização teve críticas ao presidente em pronunciamentos feitos a partir de um caminhão estacionado junto à Catedral da Sé.
O cientista político da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Peres analisou o clima de campanha que marcou em grande parte o 7 de Setembro:
— Em outros países, o Dia da Independência é comemorado como uma data cívica, de unificação, para além das questões partidárias, cuja celebração fica sob responsabilidade do Estado e em nome da cidadania. Poderíamos ter tido uma festividade muito maior — avalia Peres.