É falso o áudio atribuído ao presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) em gravação que mostra suposta discussão entre ele e a primeira-dama Michelle Bolsonaro. Peritos ouvidos pelo Comprova explicam que o perfil vocal da voz presente no vídeo não coincide com o de Bolsonaro. A similaridade verificada foi de apenas 6%, sendo que percentuais abaixo de 80% demonstram não haver relação entre as vozes comparadas.
Conteúdo investigado: vídeo de suposta discussão entre o presidente Bolsonaro e a primeira-dama Michelle Bolsonaro momentos antes do desfile em comemoração ao Dia da Independência do Brasil, em 7 de Setembro de 2022, em Brasília. A publicação exibe imagens captadas pela TV Brasil. O conteúdo é acompanhado por áudio e legenda do que seria uma declaração do presidente: “tá querendo me f*, po**a. Vai subir lá e vai fazer cara bonita. Tira essa cara feia, tira essa cara de c*. Tem que subir lá e sorrir pra todo mundo”.
Onde foi publicado: TikTok, Twitter e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: é falso o conteúdo que circula em redes sociais e que atribui ao presidente Jair Bolsonaro um áudio com xingamentos supostamente à primeira-dama Michelle Bolsonaro, momentos antes do desfile do bicentenário da Independência, no 7 de Setembro deste ano, em Brasília.
As imagens são reais e foram captadas pela TV Brasil, emissora pública federal. No momento da suposta discussão, a gravação foi interrompida por um membro da equipe presidencial. O teor da conversa não foi captado pela emissora.
Um relatório forense preliminar sobre o vídeo aqui verificado foi elaborado pelo perito e professor do Centro de Estudos Periciais Mauricio de Cunto. O documento aponta que os parâmetros de Vocal Profile Analysis (VPA) – análise do perfil vocal – da voz presente no vídeo não coincidem com a voz de Bolsonaro. Para Cunto, o áudio é comprovadamente editado, com nenhuma garantia de rastreabilidade, originalidade e integridade.
O professor de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC) Mário Gazziro afirmou que a similaridade verificada entre a voz contida no conteúdo e a de Bolsonaro foi de apenas 6%. O especialista explica que o percentual abaixo de 80% demonstra que praticamente não há relação entre as vozes comparadas.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: no TikTok, a publicação passava de 39 mil curtidas, com 2,1 mil comentários e 1,5 milhão de visualizações até o dia 14 de setembro. No Twitter, são mais de 4,8 mil curtidas, 303 comentários, além de 1,5 mil retuítes e 83 mil visualizações.
O que diz o autor da publicação: o Comprova entrou em contato com a conta que compartilhou o conteúdo no Twitter, mas não houve retorno. Em relação ao TikTok, a plataforma não permite troca de mensagens entre contas que não se seguem mutuamente.
Como verificamos: após assistir ao vídeo da publicação, a equipe fez buscas no Google utilizando os termos “Bolsonaro”, “Michele Bolsonaro”, “briga” e “7 de setembro”. A busca retornou reportagens que repercutiram a suposta briga entre o casal, como as dos veículos Valor Econômico, O Povo e Metrópoles. Nenhum dos conteúdos continha o áudio da conversa.
O vídeo aqui verificado traz a logo da TV Brasil. Diante disso, a equipe procurou, no canal do YouTube da emissora, pela transmissão original das comemorações do bicentenário da Independência. A partir de 38min15s, a TV mostra imagens exclusivas da saída de Bolsonaro do Palácio da Alvorada.
Nas imagens, ele conversa com uma pessoa que está dentro de um carro, se afasta, depois retorna, e fala com a mesma pessoa no carro novamente. No vídeo original, durante a transmissão das imagens com Bolsonaro na porta do carro, não é possível escutar o que o presidente diz. Os apresentadores narram as imagens e um deles afirma que Bolsonaro conversa com uma pessoa que parece ser a primeira-dama.
Veja comparação entre a imagem original da TV Brasil e o trecho reproduzido no vídeo aqui verificado:
A partir de então, consultamos o professor de Engenharia da Informação da Universidade Federal do ABC (UFABC) Mário Gazziro e o perito forense e professor do Centro de Estudos Periciais Mauricio de Cunto. A reportagem também entrou em contato com o autor da publicação.
Suposta briga foi captada pela TV Brasil
As imagens que viralizaram nas redes sociais mostram uma suposta discussão entre o presidente Bolsonaro e a primeira-dama Michelle Bolsonaro, na manhã de 7 de setembro. O registro foi feito pelas câmeras da TV Brasil.
A emissora acompanhava a saída do comboio presidencial do Palácio da Alvorada em direção à Esplanada dos Ministérios, onde foi realizado o desfile em comemoração ao bicentenário da Independência, em Brasília.
Na cena captada, Bolsonaro se preparava para deixar o local. A gravação tem início no momento em que a pessoa apontada na imprensa como sendo a primeira-dama já estava dentro do veículo oficial. Bolsonaro se aproxima e abre a porta dianteira do lado do passageiro. Em seguida, ele se afasta e caminha em direção a outro veículo. Instantes depois o presidente retorna, volta a abrir a porta e tem uma aparente discussão com a pessoa, que segue dentro do veículo.
O áudio da conversa não foi captado pela TV Brasil. No momento da suposta briga, a gravação foi interrompida por um membro da equipe presidencial.
Informações de bastidores divulgadas pelos colunistas Igor Gadelha, do portal Metrópoles, e Bela Megale, do jornal O Globo, afirmam que o presidente tentava convencer a primeira-dama a acompanhá-lo no desfile no Rolls-Royce. Michelle teria resistido a desfilar com o marido no carro aberto, sob o argumento de que aquele deveria ser um momento só dele. Por fim, ela cedeu ao pedido do presidente.
Peritos afirmam que voz não é de Bolsonaro
Um relatório forense preliminar sobre o vídeo aqui verificado foi elaborado pelo perito Mauricio de Cunto. O documento aponta que os parâmetros de Vocal Profile Analysis (VPA) – análise do perfil vocal – “da voz presente no vídeo não coincidem com a voz original da pessoa flagrada nas imagens”, ou seja, Bolsonaro.
De acordo com o relatório de Cunto, a gravação é curta, ruidosa e de baixa inteligibilidade. Os parâmetros técnicos do áudio foram considerados pobres, similares aos da transmissão de uma rádio AM, mas com baixíssima intensidade sonora.
“Por se tratar de uma gravação de apenas 13 segundos e muito ruidosa, editada e legendada, transmitida por WhatsApp, tal conjunto de características acaba favorecendo enormemente qualquer tipo de edição fraudulenta, visto que não existe nenhuma forma de rastreabilidade, originalidade, materialidade e confiabilidade quanto à ligação com o material original”, diz análise descrita no relatório.
Assim, a gravação da TV Brasil se tornou “alvo fácil para adulteração de frases e/ou palavras, dublagens, montagem de frases com inserção e/ou remoção de palavras, escondidos pelo intenso ruído de fundo, ruído este que poderia ter sido minimizado mas, inexplicavelmente, foi a única coisa que o editor não o fez”.
Quanto ao movimento labial, o documento informa que a qualidade da imagem é pobre e impede sua decodificação. O relatório também chegou à conclusão de que “o áudio não condiz com uma voz distante que deveria ter menor inteligibilidade independente do ruído intrínseco”. Isso ocorre porque o vídeo mostra Bolsonaro a certa distância da câmera, onde supostamente estaria a gravação do áudio.
Para Cunto, o áudio é comprovadamente editado, com nenhuma garantia de rastreabilidade (o arquivo analisado foi enviado por WhatsApp e, com isso, perdeu dados que poderiam indicar sua criação), originalidade (não é possível confirmar o tipo de câmera em que foi feita a gravação) e integridade.
O áudio da postagem aqui verificada também foi analisado pelo professor Mário Gazziro, a pedido de veículos de imprensa. O conteúdo foi comparado com o áudio de vídeo publicado por Bolsonaro nas redes sociais em setembro de 2018, quando ele estava internado em recuperação após sofrer atentado a faca durante a campanha daquele ano. A publicação de 2018 foi amplamente reproduzida pela imprensa e por apoiadores de Bolsonaro.
De acordo com Gazziro, a similaridade verificada foi apenas de 6%. O especialista explica que o porcentual abaixo de 80% demonstra que praticamente não há relação entre vozes comparadas. Para chegar à conclusão, Gazziro analisou o trato vocal (características da voz que são específicas de cada pessoa e podem ser comparadas a uma impressão digital da voz).
Por que investigamos: o Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Conteúdos falsos ou enganosos que envolvem candidatos podem influenciar na compreensão da realidade e na imagem construída pelos eleitores sobre determinado político. O Comprova busca colaborar para que a escolha sobre um candidato seja definida com base em informações verdadeiras e confiáveis.
Outras checagens sobre o tema: o conteúdo checado nesta verificação também foi analisado pela Folha de S. Paulo, Boatos.org e Lupa, que classificaram a informação como falsa.
Ainda sobre eleições, recentemente, o Comprova mostrou que não há registros de Lula ter dito que ‘enfermeiros só servem para servir sopa’, que Simone Tebet prometeu reduzir impostos dos mais pobres, ao contrário do que sugere um post, e que é enganoso o vídeo que associa o preço da carne a um suposto monopólio da JBS e complô com PT.