O delegado Raphael Soares Astini, da Polícia Federal em Santos, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenda liminarmente o inquérito que atinge o ex-ministro Milton Ribeiro e pastores do "gabinete paralelo" no Ministério da Educação por suposto abuso de autoridade do presidente da investigação, Bruno Calandrini. Astini, que prendeu aliado do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, na Operação Acesso Pago, também é investigado junto a outros colegas.
A solicitação de Astini foi remetida à ministra Cármen Lúcia, relatora do inquérito da Operação Acesso Pago, no bojo de um habeas corpus. No mérito, o delegado quer o trancamento e arquivamento das apurações que atingem ele e outros policiais, alegando que Calandrini "pode estar usando" o inquérito "como forma de vingança pessoal". Segundo Astini, as investigações que atingem ele e os colegas "não compreendem o objeto inicial estipulado" pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela supervisora do caso.
O habeas corpus marca mais um episódio da tensão que assola a Polícia Federal após a fase ostensiva das investigações atingirem um aliado do presidente. Depois de a operação ser deflagrada, Calandrini denunciou suposta interferência nas diligências, o que levou a Polícia Federal a abrir uma apuração sobre o que chamou de "boato". A crise escalou com um pedido de Calandrini pela prisão da cúpula da PF. Após a solicitação, voltou a circular internamente um relatório da corporação que atribuiu a ele "inexperiência ou incúria" no planejamento operacional da ofensiva.
O habeas corpus
No documento protocolado no STF na quarta-feira passada (14), Astini diz que foi surpreendido com um ofício no dia 8 de setembro, que convocava o delegado para interrogatório. Ele diz ter respondido o documento, informando sobre o não comparecimento e pedindo acesso a íntegra do inquérito. De acordo com o habeas corpus, Calandrini então enviou uma mensagem apontando que se trata de um interrogatório para indiciamento. Citou supostos crimes de prevaricação, em razão do cumprimento do mandado de prisão contra Milton Ribeiro, e do recolhimento do ex-ministro da Superintendência da PF em São Paulo.
Astini se defende da imputação de prevaricação sustentando que "nenhum ato de ofício deixou de ser praticado ou foi retardado", narrando que conduziu Milton Ribeiro à custódia da Policia Federal em São Paulo conforme determinação de superior hierárquico. A ordem de prisão preventiva de Ribeiro determinava que o ex-ministro fosse levado para a Superintendência da PF em Brasília tão logo o investigado fosse preso. A defesa do aliado de Bolsonaro entrou com pedido para barrar a transferência, mas a solicitação foi negada pelo juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal, relator da investigação.
No entanto, na noite do mesmo dia em que a Acesso Pago foi aberta, foi informado que Ribeiro permaneceria na capital paulista e que sua audiência de custódia seria realizada por videoconferência. Antes que o procedimento fosse realizado, o desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, mandou soltar Ribeiro e outros quatro investigados que haviam sido presos no âmbito da ofensiva aberta ontem.
Na ocasião, Calandrini disse ter repassado a alegação de "interferência na condução da investigação" ao chefe do Coordenação de inquéritos nos tribunais superiores, após saber que, "por decisão superior", não iria haver o deslocamento de Milton Ribeiro para Brasília. "Manterei a postura de que a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton à Brasília à revelia da decisão judicial", registrou, à época.
No habeas corpus ao Supremo, o delegado que prendeu Milton Ribeiro sustenta ainda que Calandrini "atua em nítido abuso de autoridade ao proceder a persecução penal por suposta (inexistente) prevaricação e proceder para seu indiciamento". "O fato é inexistente (vide própria conclusão do órgão DPF via Sindicância Investigativa n° 08/2022), inexistem os elementos do tipo penal (interesse ou sentimento pessoal), inexiste dolo (ou mesmo culpa) e o ato foi praticado em cumprimento a ordem legal", registra. A reportagem procurou Bruno Calandrini, mas ele não se manifestou.