Conversas de WhatsApp interceptadas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, às quais a reportagem teve acesso, mostram suposta combinação de empresários paulistas no sentido de cooptar o prefeito Jairo Jorge (PSD), de Canoas, para ganharem contratos nas áreas de saúde e limpeza. Conforme indicam as mensagens, dirigentes das empresas teriam combinado repassar R$ 300 mil a emissários do administrador canoense, sendo metade do valor em espécie, em setembro de 2020, antes das eleições municipais. A outra metade teria sido entregue até novembro daquele ano.
Jairo Jorge está afastado do cargo desde 31 de março passado e foi denunciado criminalmente, por suspeita de corrupção envolvendo esses contratos mencionados nas interceptações judiciais. Na terça-feira (12), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu liminar trancando a tramitação do processo, com base no fato de um dos investigados ter exercido cargo de deputado federal. Agora o Supremo Tribunal Federal (STF) deve apreciar se o caso ganha foro especial ou se continua com a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul.
Os principais indícios reunidos pelo MP consistem em conversas de WhatsApp (escritas e áudio) interceptadas com ordem judicial de Paulo Sirqueira Korek de Farias (dono de uma rede de farmácias e de empresas de transporte) e de um lobista. Os dois estão denunciados pelo Ministério Público por terem, supostamente, pago propina a Jairo Jorge. Os indícios também foram coletados mediante rastreamento da localização geográficas dos celulares.
O lobista ligado ao grupo empresarial de Korek teria intermediado pagamentos de suborno a diversos prefeitos, de todo o Brasil, em troca de vitória em processos licitatórios ou contratos emergenciais com prefeituras, de acordo com investigação do MP estadual paulista.
Conforme o Ministério Público, os acertos seriam feitos, via de regra, antes das eleições, com o candidato mais cotado a vencer. Em 8 de setembro de 2020, dois meses antes do pleito, Jairo Jorge teria sido contatado. Nas pesquisas, ele já aparecia como favorito para a prefeitura canoense. Em mensagem a Korek de Farias, o lobista comenta:
- Surgiu um bom papo em Canoas, no Rio Grande do Sul. Meu amigão o cara, lá. Quero te apresentar. Nosso amigo é o Jairo. Vai estar aqui segunda-feira. Acha que consegues vir a SP conhecer o candidato a prefeito de Canoas? Foi ministro da Educação (na realidade, secretário-executivo do ministério, o MEC) está disparado na frente... ele vai estar com um amigão meu e eu quero te colocar para conhecer.
Seis dias depois do diálogo inicial, o lobista avisa por mensagem com Korek:
- Ele veio de Canoas para falar com o Kassab e eu marquei só com você e outro amigo. Importante estarmos juntos.
O interlocutor de Korek, então, anexa à mensagem um edital de concessão administrativa para serviços de saúde no Hospital Universitário de Canoas (HU) e no Hospital Pronto Socorro de Canoas (HPSC), que futuramente seriam gerenciados por empresas ligadas a Korek.
O MP afirma que então teria acontecido a reunião entre Jairo Jorge e empresários no restaurante Piselli, situado no Shopping Iguatemi Alphaville de Barueri, em São Paulo. Dali foram para a sede de um clube de futebol do qual Korek é dirigente. Ao término do encontro, Korek manda mensagem a um sócio:
- Gostei muito aqui da reunião, um cara muito sério o prefeito aqui...o cara já foi prefeito de lá, tá firme nas pesquisas, com 45%...e é aquele contrato mag-ní-fi-co, irmão. O contrato lá é gigantesco.
O contrato a que se refere Korek seria a gestão dos hospitais HU e HPSC (mencionados no documento anexo à mensagem), afirma o MP, cujos gestores na época recebiam R$ 21 milhões mensais da prefeitura de Canoas.
Conforme o Ministério Público, um dirigente de partido que apoiou Jairo na campanha (cujo nome não foi revelado) teria ficado com a missão de recolher a propina. Esse político teria viajado a São Paulo no dia 25 de setembro, de avião, e empreendido retorno no mesmo dia a Canoas, de carro. Conforme interpretação dos promotores de Justiça, carregando dinheiro em espécie. A suspeita se embasa em mensagem de 23 de setembro, enviada por Korek de Farias ao sócio, dizendo:
- O cara de Canoas vai estar aqui na sexta-feira (25). Se nós conseguirmos mandar um cinco zero (150) pro cara de Canoas, já arrebentamos a boca do balão. Eu quero ir só até onde a gente tem certeza...só onde o cara tá muito na frente ou no páreo (nas intenções de voto).
O sócio responde "esse da sexta-feira, se tiver, a gente entrega já essa metade aí". Conforme interpretação do MP, seria metade de R$ 300 mil prometida a Jairo Jorge.
Cobrança de 5%
Um outro diálogo interceptado, de 4 de abril de 2021 (após a posse de Jairo como prefeito), mostra a dona de uma empresa ligada ao grupo de Korek detalhando que tem um contrato de quatro anos e que, se o prefeito se reeleger, "é garantido oito anos de contrato, de trabalho certo pra minha empresa lá em Canoas". A mulher define a empreitada como "muito lucrativa, porque o lucro é mais gordinho, digamos assim... já ganhamos, já saiu o edital, já saiu o pregão". Ela descreve o acordo como "troca de moedas" e reclama "do prefeito, que tem a capacidade de cobrar 5% ainda...Pô, daí é muita sacanagem!".
Em 14 de junho, logo após prestar depoimento no Ministério Público, Jairo Jorge disse em redes sociais não entender por que foi afastado do cargo. Em gravação divulgada no YouTube, o prefeito afastado afirmou que não esteve em São Paulo no dia citado pelos investigadores. Conta que teve uma live pela manhã com um colega e uma série de reuniões ao longo do dia em Canoas.
- É impossível estar em Barueri (SP) às 12h30min (como teria sustentado o MP) e em Canoas às 13h30min. É impossível estar em dois lugares ao mesmo tempo. Eu não recebi R$ 150 mil desses empresários - falou o político.
Jairo tem afirmado que jamais teve qualquer envolvimento com Korek ou pessoas ligadas a suas empresas. Mas após a eleição dele, os dois hospitais municipais de Canoas ficaram sob administração da Aceni (Instituto de Atenção a Saúde e Educação), uma das Organizações Sociais que funcionam sob o pool de empresas controladas por Korek de Farias. Fato que é apontado pelo MP como prova de que o acerto de suborno teria sido realizado.
Contrapontos
O que diz Jairo Jorge
O advogado Jader Marques, que defende Jairo Jorge, diz que vai buscar a anulação dos indícios da ida do seu cliente a São Paulo, por serem fatos inexistentes. "O processo inclusive foi suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça. Isso porque o Ministério Público denuncia pessoas com prerrogativa de foro, persegue algumas autoridades com especial interesse, quando toda população sabe que inúmeras prefeituras passam pelos mesmos problemas administrativos."
O que diz Paulo Korek de Farias
O defensor de Korek, Alexandre Wunderlich, ainda estuda o teor da denúncia e ficou enviar nota detalhando a posição do cliente.