Quais os motivos concretos que levaram a Justiça a determinar que o prefeito de Canoas, Jairo Jorge (PSD), fosse afastado do cargo? As supostas razões são elencadas ao longo de 70 páginas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), em denúncia apresentada ao Judiciário na semana passada. A reportagem teve acesso ao material, no qual um procurador e um promotor de Justiça apresentam indícios de que o mandatário canoense agiu para desviar dinheiro dos cofres do município.
Jairo Jorge foi afastado do cargo em 31 de março por decisão judicial, durante a chamada Operação Copa Livre, do MP-RS. Ele e outras 16 pessoas, entre agentes públicos e empresários, estão denunciados por corrupção (ativa e passiva), lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e peculato, cometidos entre 2020 e 2021. São crimes relacionados à dispensa de licitação e contratos para prestação de serviços terceirizados de limpeza e copeiragem.
Conforme a denúncia, Jairo Jorge acertou e recebeu R$ 300 mil em propina de empresários, para superfaturar contratos com empresas terceirizadas e escolhê-las para realizar serviços diversos, por meio de dispensa de licitação. A entrega dos R$ 300 mil ao então candidato a prefeito pelo PSD teria ocorrido entre setembro e novembro de 2020, em duas parcelas. O esquema consistia num acerto entre as partes para burlar a concorrência e direcionar a contratação das empresas. A primeira parcela de R$ 150 mil teria sido paga em espécie, no dia 25 setembro de 2020, no restaurante Almanara, situado no Shopping Iguatemi Alphaville de Barueri, em São Paulo. No caso da segunda parcela de R$ 150 mil que teria sido paga, o MP-RS não detalha onde a entrega do dinheiro ocorreu, ressaltando que teria sido entre meados de outubro e a segunda quinzena de novembro, possivelmente na capital paulista. Os indícios estão embasados em anotações de agendas e conversas telefônicas.
A Procuradoria sustenta que o prefeito comandava o esquema de desvio de dinheiro público na prefeitura e acertou propina de 5% do valor dos contratos sob investigação. O esquema envolveria um núcleo político (comandado pelo então chefe do Executivo canoense) e outro, empresarial, centralizado em São Paulo, mas que contava também com empresários do Rio Grande do Sul, recrutados para participar dos ilícitos. Segundo o MP-RS, tudo começou ainda antes de Jairo Jorge vencer as eleições, quando ele liderava as pesquisas de intenção de voto para a prefeitura de Canoas.
Os contratos sob investigação são com a empresa GMS Serviços de Limpeza e Construção Civil Eireli por dispensa de licitação. O desvio de dinheiro público apontado é de R$ 1,7 milhão nesse contrato citado. O objeto seria a prestação de serviços continuados de limpeza, conservação, higienização e copeiragem nas dependências dos órgãos da Administração Direta do Município de Canoas. Há outras dispensas de licitação investigadas, mas que ainda não foram alvos de denúncia. O valor total sob suspeita é de R$ 66,7 milhões.
Os promotores e procuradores afirmam que Jairo Jorge e os demais denunciados fraudaram o caráter competitivo da contratação, mediante acerto de propina e superfaturamento de valores. Também teriam omitido o orçamento de uma empesa que teria participado do certame com o menor preço, com oferta melhor do que as que estariam no esquema. Segundo o MP-RS, com exceção da que "apresentou o menor preço e foi desclassificada de forma fraudulenta", todas as empresas pertenciam ou estavam vinculadas aos denunciados. Eles teriam apresentado orçamentos previamente ajustados entre eles, "mera encenação para dar aparente legalidade ao certame".
A denúncia por lavagem de dinheiro ocorre porque duas familiares de Jairo Jorge teriam se tornado, nominalmente, proprietárias de farmácias ligadas ao grupo vitorioso na dispensa de licitação. Conforme a investigação do MP-RS, em abril de 2021, após o prefeito assumir e autorizar contratos com a GMS Serviços de Limpeza, duas empresas teriam sido registradas em nome dessas parentes de Jairo Jorge e, também, do familiar de um dos dirigentes do grupo empresarial paulista beneficiado nos contratos. As firmas são uma drogaria em São Vicente (litoral paulista) e outra em São Paulo.
Assim que as empresas foram constituídas, repasses de valores começaram a ser feitos para as duas familiares do prefeito. Seriam retiradas mensais atribuídas a faturamento das farmácias. Uma das denunciadas combina com o suposto sócio (ligado ao grupo beneficiado com contratos de saúde e limpeza em Canoas) "um dia certo para entrar nessa (nossa) retirada mensal", conforme mensagens interceptadas pela Procuradoria de Justiça.
A investigação também está embasada em quebras de sigilos bancários dos investigados. O MP-RS pede que os denunciados devolvam ao município de Canoas o valor que teria sido desviado por meio de contrato fraudulento, de R$1.774.624,68. Também reivindica a perda dos cargos e mandatos públicos dos denunciados Jairo Jorge e outros dois servidores da prefeitura canoense. A denúncia ainda pede que todos os 16 denunciados sejam inabilitados pelo prazo de cinco anos para o exercício de qualquer cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação. Também que seja mantida a suspensão das funções públicas dos denunciados durante a instrução criminal.
O Ministério Público ainda aguarda dados referentes a períodos mais recentes dos sigilos bancários quebrados por decisão judicial, que ainda não foram liberados por instituições financeiras. O órgão dianta que apresentará novas denúncias, assim que tiver todos os elementos de prova já reunidos.
Contrapontos
O que diz o prefeito afastado Jairo Jorge:
O advogado do prefeito, Jader Marques, diz esperar que a Quarta Câmara do Tribunal de Justiça do RS faça uma reavaliação da cautelar de afastamento do cargo, pois o oferecimento da denúncia representa apenas a versão do Ministério Público, "sendo importante lembrar que já foi provada a farsa da reunião que teria acontecido em São Paulo para recebimento de dinheiro". O direito de aguardar o andamento do processo no exercício do cargo corresponde ao mesmo tratamento que é dado aos demais prefeitos que também respondem a processos perante o mesmo Tribunal e estão no mandato, acrescenta Marques. "É, pois, uma questão de isonomia e justiça".
O que dizem os representantes da GMS Serviços de Limpeza:
A reportagem contatou a empresa. A direção da GMS pediu envio de e-mail com questões. Isso foi feito e GZH aguarda retorno.