Pivô de controvérsias políticas sobre a gestão financeira estadual e de conflito na relação entre os poderes, o saque dos depósitos judiciais por parte do governo do Rio Grande do Sul cessou há quatro anos, mas deixou como resquício um passivo de mais de R$ 10 bilhões ao Poder Executivo. Entre as gestões de Germano Rigotto (2003-2006) e de José Ivo Sartori (2015-2018), os recursos foram retirados pelo Palácio Piratini para fazer frente a compromissos financeiros cotidianos.
Desde então, ainda que o governo não tenha iniciado a devolução do dinheiro, o fim dos saques foi suficiente para aliviar o saldo e afastar o receio de que faltassem recursos para o cumprimento das sentenças. Como a retirada de valores foi interrompida, o montante disponível na conta dos depósitos judiciais tem crescido ano a ano.
De acordo com dados encaminhados pela Secretaria da Fazenda, a soma dos depósitos judiciais de terceiros em poder do governo superou os 94% em 2017, 2018 e 2019, raspando no limite legal de 95%. Com o ingresso dos novos recursos e a suspensão das retiradas, esse percentual começou a cair em 2019 e chegou a 78,28% em maio deste ano.
Ou seja: enquanto o valor retirado permaneceu em R$ 10,1 bilhões, a injeção de recursos relacionados a novos processos fez o montante total depositado em juízo subir de R$ 10,7 bilhões, em 2017, para R$ 12,9 bilhões em 2022.
Esses valores representam os depósitos judiciais não tributários, formados por quantias pertencentes a pessoas e empresas que estão sendo discutidas nos processos. Os recursos ficam depositados em uma conta bancária, aos cuidados do Judiciário, para garantir que, ao final da tramitação, o vencedor da ação fique com o dinheiro.
Quando contabilizados todos os depósitos, incluindo os tributários, nos quais o governo é parte na ação, o montante em poder do Executivo estava em 86% em 2017 e caiu para 66% neste ano, conforme dados do Tribunal de Justiça.
O governo estadual vinha usando os depósitos judiciais desde 2004, quando foi autorizado por lei a fazer isso. A gestão Tarso Genro (2011-2014) fez grande uso do mecanismo. As retiradas foram suspensas apenas em janeiro de 2018.
A suspensão dos saques também foi uma das exigências para o Estado aderir ao regime de recuperação fiscal (RRF) proposto pela União.
Em 2019, no início da gestão de Eduardo Leite, a Secretaria da Fazenda teve de efetuar um repasse extraordinário de R$ 95 milhões, para evitar que o volume de recursos na conta ficasse abaixo do mínimo de 5% exigido pela legislação. Depois disso, entretanto, não houve novos aportes para a compensação do valor retirado pelo Piratini nos anos anteriores.
Devolução contínua começa neste ano
Os saques de depósitos judiciais de terceiros acabaram em janeiro de 2018 no Rio Grande do Sul, por orientação do Conselho Nacional de Justiça. Meses depois, foram proibidos pelo STF. No mesmo ano, a Assembleia Legislativa aprovou uma lei prevendo a devolução em parcelas equivalentes a cerca de R$ 70 milhões por ano.
A legislação também prevê que, nos anos em que houver superávit nas contas, 3% do saldo positivo deverá ser repassado para saldar a dívida.
Como a lei estabeleceu prazo de, no mínimo, 36 meses para a definição do cronograma de desembolso, 2022 será o primeiro ano em que o governo pagará o passivo.
— O valor vem baixando com o tempo e, de acordo com os critérios previstos na lei, vamos repassar no segundo semestre a parcela anual de R$ 70 milhões, que inclusive está no nosso plano de recuperação fiscal— diz o secretário da Fazenda, Marco Aurelio Cardoso.
Em anos passados, com o saldo dos depósitos praticamente todo nas mãos do Executivo, o Tribunal de Justiça chegou a pressionar o Palácio Piratini pela devolução dos recursos. Em 2016, o então presidente da Corte, desembargador Luiz Felipe Difini, cobrou publicamente do governo, em sua cerimônia de posse, a reposição dos recursos sacados.
Na ocasião, o governador José Ivo Sartori respondeu com uma frase atribuída a Albert Einstein, dizendo: "Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro".
Atualmente, ainda que a devolução do dinheiro não tenha começado, o Judiciário não demonstra a mesma preocupação, já que o mecanismo que sugava os recursos da conta foi estancado.
— Nos momentos mais críticos, o risco era grande. Se houvesse uma enxurrada de ações o Estado poderia ter um problema sério. Mas os números atuais são suficientes para respaldar qualquer levantamento em massa — diz o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira, 2º vice-presidente e chefe do conselho de comunicação do TJ.