Kauã Guedes Guerreiro tem 16 anos, está no 2º ano do Ensino Médio. Ele faz parte da novíssima geração de eleitores brasileiros. O jovem, que aprendeu em casa o valor do voto, tirou o título de eleitor em abril. Apesar do interesse em política e de estar preocupado com a piora da economia brasileira, evita conversar sobre o tema nas redes sociais.
— Em rede social não dá. As pessoas não têm limite. Um fala “a”, outro fala “b” e no “c” já estão se xingando — conta o estudante da Escola Estadual Alberto Torres, na zona sul de Porto Alegre.
As redes sociais, ambientes de presença constante da nova geração, são paradoxalmente espaços considerados extremamente perigosos, por esses mesmos jovens, para dialogar sobre política. Assim, um potencial ambiente de desenvolvimento político da juventude acaba limitado.
— É muito polarizado. Causa muita briga. (A política) É um tema que tenta ser evitado hoje nas redes sociais. Muitos (jovens) não querem votar porque gera briga — avalia João Pedro Ulguin Pires, 16 anos, em frente à ao Colégio Paula Soares, no Centro Histórico.
João gosta de se informar sobre leis que impactam a educação e sobre direitos da juventude, o que o coloca entre a minoria dos adolescentes da sua idade. Apesar da diferença de gerações, é com o avô que ele mais dialoga sobre política:
— É difícil achar um lugar que não tenha briga (sobre política). A única pessoa com quem eu me sinto bem falando sobre política é o meu avô. Se falar na escola, vai dar briga.
Uma pesquisa realizada pelo Ipec (antigo Ibope) com 1.008 jovens com idades entre 16 e 34 anos, no segundo semestre de 2021, identificou o ambiente de medo no país: 83% dos entrevistados concordaram total ou parcialmente que o debate em redes sociais é agressivo e intolerante.
Em outra questão do mesmo levantamento, 59% indicaram que não discutem sobre política em redes sociais pois têm “medo de ser julgados, cancelados ou tratados de forma agressiva”. A pesquisa foi encomendada pelo movimento cívico global Avaaz e pela Fundação Tide Setubal.
— Os poucos espaços que sobraram para falar sobre política estão muito violentos. Os jovens não se sentem seguros para falar sobre política, têm medo do cancelamento e da violência que podem sofrer — destaca o cientista político da Fundação Tide Setubal, Márcio Black.
Malena Irala Caminha, 15 anos, aluna do Colégio Júlio de Castilhos, faz parte do grupo que enfrenta o ambiente árido das redes para tentar trocar ideias sobre o tema. A atuação digital, avalia ela, tem poder de transformar a realidade.
— A gente às vezes pensa que não muda nada (se expressar), mas qualquer coisa que a gente fala nas redes pode ser muito grande. Eu dou a minha opinião de forma sincera e não desrespeito ninguém — diz Malena.
Nas escolas e universidades, os mais dispostos a dar entrevista são os jovens interessados nas questões sociais. Aqueles que estão distantes desses temas evitam falar diante de um assunto que lhes parece ou complicado ou arriscado demais.
A pesquisadora Raquel Recuero, coordenadora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), identifica uma pluralidade maior de pautas nas novas gerações, mas também a consciência de que há risco em manifestar-se.
— As plataformas têm se tornado um ambiente tóxico, imperdoável. Os mais jovens têm receio de se manifestar de determinadas maneiras que possam ser mal compreendidas. É um ambiente difícil para se posicionar. Eles têm a noção de que podem ser cancelados — aponta a pesquisadora.
Ao limitar os espaços de expressão da juventude, a sociedade corre o risco de empurrar uma nova geração de cidadãos para a apatia ou, pior ainda, para a radicalização.
— A polarização bélica e agressiva afasta o adolescente. “Por que vou entrar em uma briga que não é minha? Por que vou me ocupar dessa discussão se os vizinhos estão de mal, se o tio e o pai não se falam mais?” — exemplifica a psicanalista Aline Santos e Silva, especializada em infância e adolescência.
O ambiente de intolerância provoca a paralisia em muitos e, em outros, pode incentivar a adesão ao extremismo. Essa é uma preocupação de quem estuda as redes sociais e percebe a ascensão de discursos de ódio.
— A internet proporciona vieses de participação, mas também vieses que a gente não quer. Há um crescimento da extrema-direita, que conquista muitos jovens, e aí estamos falando de neonazismo, inclusive. Movimentos com nível de radicalização perigoso — alerta Raquel.
Raio X da juventude porto-alegrense
Em parte, a postura dos adolescentes apenas reproduz o comportamento médio da população brasileira, isto é, de baixo interesse na política e algum grau de descrença na democracia. Para a juventude, contudo, se soma um agravante recente: a perda, por conta da pandemia, da vivência escolar, fundamental para desenvolver a expressão e a cidadania.
— Os jovens que se interessam por política se interessam muito. E os que não se interessam não têm nada de interesse. O jovem acaba sendo tão pouco interessado quanto a população em geral. Acredito que, nesse último período, pelo desmonte da educação e pela pandemia, estão um pouco mais desinteressados — analisa a cientista política Ana Julia Bernardi.
A pesquisadora faz parte do Núcleo de Pesquisa em América Latina (Nupesal), grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que se debruça desde a década de 1980 sobre a participação política de jovens. Em 2019, o Nupesal aplicou um longo questionário a 876 adolescentes do Ensino Médio de Porto Alegre, o que resultou em um raio X sobre o que pensam acerca de política e democracia.
Respondido anonimamente, o questionário liberta os jovens de linchamentos e oferece um retrato das diferentes juventudes políticas de nosso tempo. As respostas ajudam a entender os baixos níveis de alistamento eleitoral registrados no início deste ano.
Para a questão “você se interessa por política?”, 57% responderam se interessar pouco e 21,6% disseram que não têm interesse. A minoria (21,5%) afirmou se interessar muito.
— Nunca fui muito envolvido com política, nem a minha família é. Não sei muito quem é, quem não é — conta Kauan de Oliveira Brandão, 18 anos, acrescentando que tiraria o título por obrigação da maioridade.
O estudante do 2º ano do Ensino Médio vive uma rotina de estudos e treinos de futebol. Nesses espaços, nada ouve sobre política. Como tirar o título de eleitor? Essa informação básica não havia chegado a ele até o fim de abril. Mesmo assim, quando provocado, tem bem claro o que deseja:
— É preciso uma melhora nos estudos, na educação do país. E ajudar os pobres.
Daniel Dias dos Santos também tem 18 anos e deve votar pela primeira vez em 2022. Ele lembra que na escola as conversas sobre o tema acabam em discussão.
— Quando a pessoa vota, não vê diferença. São sempre os mesmos. Mas eu diria que tem que votar, é a gente que decide as eleições — diz.
A última pesquisa do Nupesal/UFRGS também perguntou aos secundaristas como se sentem em relação à política. “Desiludidos” foi a resposta indicada por 21,8%. Outros 20,3% se descreveram como “indiferentes”, e 15,1% anotaram “alienado” e “isolado”. A mesma questão revelou, na outra face da moeda, que 26% se sentem “interessados” e 8,4%, “participativos”. “Não adianta participar da política, pois nunca muda nada.” Essa outra afirmação do questionário teve a concordância total ou parcial de 53,5% dos jovens.
— Tenho dois colegas que não são (interessados por política), e acho errado. Se não se interessam, eles podem estar aceitando pouco quando podem muito — avalia Stephanie Silveira Coelho.
Stephanie completou 16 anos no início de maio e, assim, tem idade para votar em outubro.
Ela gosta de debater questões como a criminalidade, o racismo e os privilégios sociais. Preocupa a adolescente especialmente a desigualdade social “exorbitante” que permite que alguns joguem comida fora enquanto outros passam fome.